Eu já falei aqui do vira-latas. O cara é uma fonte inesgotável para minha falta de criatividade. Acho que não disse que ele morava em cima do bar, um cubículo de fazer inveja às solitárias da papuda. Tinha lá suas vantagens. Por exemplo, o vira-latas instalou uma roldana na janela. Vira e mexe a gente via aquela cesta descendo com cascos de cerveja vazias e subindo cheios. Às vezes colocava a cara na janela assuntando a freqüência do buteco. De outras ficava debruçado, gritando lá de cima:
- Ô cambada de vagabundo, vocês não tem o que fazer não? Quero dormir, porra!
Ele se esquece que foi o último a sair, apagou as luzes do bar às cinco da madruga. O que temos a ver com isto? Nós, bebedores diurnos. Ninguém mandou alugar um barraco em cima de um buteco. Além do mais, ele era mais que habituer. Comandava a área. Como ele mesmo dizia com a cara na janela:
- Aí rapaziada, já vou descer pruplay.
O playground do bacana. Durante um certo tempo ficou casado. Casamento super comportado. Porrada era o de menos. Um dia a patroa amanhecia com hematomas pelo corpo, no outro o vira-latas aparecia mais amassado que jornal velho. Comparada à moça S., aquela de sua primeira aparição, a patroa era uma deusa do Olimpo. Louca de jogar pedra na lua e acertar. As brigas constantes já não nos assustavam mais. Só que um dia o barraco implodiu. A gente lá, na maior lorota de mesa de buteco, quando do nada surge uma geladeira voadora acompanhada de gritos. Seu filho da puta, vagabunda, corno, vaca. Agora passou raspando um rolo de macarrão. Os gritos começaram a ecoar pela pequena escada de acesso à cela. Eis a cena diante de nós. A riqueza dos carinhos, traduzidos em merda para a madame e porra para o vira-latas, o que o torna personagem nato deste diário de uma crônica anunciada, aumentou sensivelmente. Discurso grandiloqüente dos amores humanos. Realmente, o amor é lindo. O que mata é a falsidade.
- Você é um vagabundo. Ordinário que não vale a merda que caga.
- Sua vaca louca, vou te internar. Você quebrou a geladeira, porra.
- Vá se fuder! Eu paguei esta merda, ela é minha, faço o que quiser. A televisão também é minha e vou levar.
- Porra, você me deu de presente.
- Eu tomo. E quer saber do que mais. Além de corno você tem pau pequeno.
Saiu batendo os pés enquanto o vira-latas falou com total aparvalhamento:
- Porra, euzinho... com pau pequeno? Corno, tá tudo legal, mas pau pequeno...
E subiu, no maior desalento, para seu retiro espiritual. Essa estória do pau pequeno rendeu. Mas fica para outra vez. Só para terminar: o ninho de amor dos pombinhos resistiu a este pequeno incidente, como o fato passou a ser conhecido na área.
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