quinta-feira, 16 de abril de 2009

A Hiena

É um verdadeiro prazer, minha querida leitora, dedicar a você um textículo cujo assunto, mais uma vez, desconheço e cujos detalhes fogem aos meus olhos. Não se trata aqui, como já observado várias vezes, de examinar o fundo da temática, o que envolveria doutrinas nas quais não navego. Notemos apenas que sua sensível antena capta tudo que me escapa. E, ao perceber o que você realizou por força de sua vontade e como mudou a sua vida pelos poderes da imaginação e da análise, sinto-me menor, menos pronto a qualificar de escrita o que se segue. Bem sei de sua constante preocupação com os fenômenos artísticos aliada as inquietações metafísicas dos grandes romancistas. Para meus parcos leitores, essa coexistência, da observação e da fantasia, não aparece em meus rabiscos e é, precisamente, um dos segredos de minha medíocridade.

Há pessoas, boas e pacientes como você, que passam pela vida com um pensamento doce no coração e a suave serenidade de um sorriso terno nos lábios. Há outras, como eu, sempre alertas para a ironia, que fazem do escárnio a grandeza de suas cenas. A senhora já deve ter notado as desilusões e os dissabores marcando as rugas reflexivas de minha empáfia literátia. Acredito, por outro lado, que tenhas percebido, ao contrário da Clarice Lispector, que estas narrativas não passam de uma gralha crocitando. Antes de ir adiante lancemos o olhar um pouco mais adiante. É possível que minha meticulosa leitora goste de encontrar aqui, antecipadamente, uma espécie de opressão mascarando a delicada aurora, velando o estado fragilizado do autor.

Na verdade, minha extraordinária graça, as luzes sombrias da desgraça colorem meu rosto lívido e minha doce resignação não passa de uma câmara mortuária revelando a miséria suprema. É uma espécie de sinistro pressentimento, uma indefinível e confusa visão do futuro. Como uma hiena diante da carniça me debruço em um sentimento difuso, me contorço e experimento uma derrota íntima, daquelas profundas, essas profundezas com que os grandes pintores colocam em relevo a alma do objeto, ou pessoa, ou paisagem pintada. Como sempre é preciso aplicar as leis da arte narrativa, com essa última assertiva, cuja despropósito é óbvio nessa narrativa, termina aqui esse textículo.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Bobagens sobre nada…

Gostaria de escrever algo sobre o nada. Desejo muito estar em mim, mas não existo. Não sou de verdade, sou uma personagem projetada, uma mera ilusão. Um dia pensei em ser feliz. Tola ilusão, doce parcimônia de um espírito louco. Um dia, não faz muito, sonhei em ser alegre, tudo, mais uma vez, não obstanbte minha amargura, se tornou mera ilusão. Meu cioso leitor há de desculpar os devaneios dessa mente corroída pelo álcool, pela miséria humana asssolando meu peito, vá lá, eu sei, é vulgar, tenho plena consciência de meu prosaismo, diria até pernoticismo.

Assim como você, minha sensual leitora; aliás me vejo obrigado a reparar que de todas as pessoas que vêm aqui, a senhora é de quem gosto mais, não que seja lá um elogio, porque não vem tanta gente assim; não tenho em mim a pretensão de ser, apenas estou, meio deslocado, sem jeito, mas estou. As míseras estirpes do acaso e da aflição, eis aí minha condição. Não ter nascido, não ser, seria melhor ainda. Contudo, estou aí, vagando a esmo pelo mundo, copo na mão e cada vez mais parecido com meu pai. Então sobrevivo a mais um dia de perdas. As recentes, com feridas carcomendo a alma, exalam um cheiro pútrido, proveniente de pus infeccionada, revelam descaminhos antigos, agora ressuscitados pela esperança frenética da ventura. Um dia imaginei a satisfação como uma bela moça de olhos brilhantes, cuja sede de liberdade lhe fosse bastante cara.

Confesso que minha mente é errante e não emprego nenhum engenho na imposição de uma disciplina. Recuos, manobras, mesmo as mais simples, são desconhecidas de meu ritmo intelectual. A sensatez, o discernimento são coisas com as quais não me ocupo. Não vejo interesse algum na prudência. Ademais, não serei eu a cortar o elo da cadeia que prende o senso comum. Estou velho, cansado e acabado; sou tão interessante como o jornal da semana passada. Recordo-me do dia em que conheci a beleza e a injuriei, como diria certo herdeiro da ancestralidade de bardos gauleses. Foi um dia singular, uma sucessão de estranhos pressentimentos mostrando o fim. Trajetória já revelada de minha infâmia. Os caminhos sinuosos do destino já traçados na dura retina. Eu sempre soube que havia coisas erradas comigo.

Para não me alongar agradeço a presença de meus dois leitores. Foi muito gentil terem vindo hoje – perdendo um tempo precioso com textículo tão mal alinhavado, tão longe de suas ocupações, e eu sou apenas um menino maluquinho, ainda. Sim, só me ocupo com bobagens.