quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Estátuas

Fez um grande esforço para manter o olhar sobre a estátua. Tinha pavor dos seres humanos: pareciam-lhe imprevisíveis, sobretudo, perversos e sujos. As estátuas, no entanto, lhe proporcionavam uma tranqüila felicidade, pertenciam a um mundo ordenado, belo e limpo.

Ernesto Sabato In "Sobre Héroes y tumbas".


 

Meu sorriso amarelecido e podre é duro e sarcástico. Nos poucos dentes restantes há uma mescla de temor e esperança, cujo tenebroso brilho de meus olhos não consegue esconder. Todo meu rosto cobre-se de rugas senis, funéreas e tudo em mim não passa de um mero vulto lastimável. Não pense minha única leitora que com isso imploro um sentimento de compaixão, dor e comiseração, ou até mesmo uma afeição áspera, desagradável, de constrangimento. A tristeza, a tepidez e a disposição enternecida, suscitam um embaraço parecido com a vergonha. Tampouco se admire meu caro e escasso leitor que eu não possua o dom da palavra e muito menos uma intuição sutil e magnífica. Sou comum, prosaico e desinteressante. Meu rosto embotado, indiferente e ao mesmo tempo insolente é a prova cabal do que digo.

Bem sei que com isto estou levantando tantas impressões que aonde sua curiosidade juvenil espera encontrar o tédio, a solidão e a apatia, irás entrever apenas um presente que nos impregna e nos perturba. As pessoas sofrem, enraivecidas pelo trabalho e pela miséria, mas a mim essas coisas nada dizem. Só me restam frases soltas. As lembranças de uma expressão, de uma carícia não passam de réstias em minha memória, e se algo permaneceu, talvez pelo inusitado da situação, foi tão somente a simples idéia – com acento -, a singela possibilidade de que eu não esteja em desacordo com os ditames preconizados pelo silêncio.

Naturalmente, posto que sou o que se poderia chamar de escória da sociedade, é lógico supor que alguma vez pude sentir algo por alguém. Mas o fato é que o ser humano sempre me deprimiu. Devo dizer que este problema, que poderíamos chamar de síntese ética do homem, foi um dos que mais me ocupou, sendo mesmo uma obsessão. Os enigmas eram vários e os mesmos e sempre que minhas buscas se iludiam com a possibilidade de um caminho me via mais perdido que cego em tiroteio. Posto isso, fecho essa narrativa sem pé nem cabeça. Afinal, não passo de mais um representante da espécie.