Ela colecionava sabonetes de motel. De certo apenas a reunião. Sua origem, ou mesmo motivação, é incerta, se perde nos meandros delicados da cabeça dela. Quando deu por si já estava com centenas de sabonetes cuidadosamente guardados em uma antiga cristaleira, nessa altura acho que podemos chamar de saboneira. Ela não tinha a menor lembrança de nenhuma de suas companhias nas idas furtivas ao templo do amor consumista. Só a lembrança nítida de que para cada sabonete havia um correspondente masculino, nunca havia ido com a mesma pessoas duas vezes. Sempre uma única e rápida vez.
O sexo era apenas pretexto para ampliar sua fauna perfumada. De vários tamanhos, feitios e cheiros os sabonetes ocupavam longamente o pensamento da moça, cumpre esclarecer que tinha lá seus quase trinta anos. Alguns traziam motivos eróticos, outros eram feitos de frutas e até mesmo sabonete comprado no supermercado, tipo lux, tinha seu espaço. Acabaram se tornando um adereço cênico importantíssimo no palco de nossa personagem. Não passava por sua cabeça, em momento algum, a quantidade de parceiros sexuais que teve ao longo dessa travessia. Isso era de somenos importância. Só o ato fático – não confunda a obra do mestre Picasso, minha única leitora da mente poluida – de uma formiguinha abastecendo a dispensa de seus desejos mais íntimos, desconhecidos desse pobre narrador.
Alguém há de pensar que se trata de mera monomania. Tola suposição. Havia algo além de um simples acúmulo. Seus gestos suaves, como já insinuei, denunciavam um traço infantil, não infantilóide, bastante presente na mulher. As escapulidas freqüentes eram minuciosamente planejadas. Desde a escolha do motel, era exigente, o local de se pegar o taxi, só ia de taxi, se recusava terminantemente a entrar no carro de seus parceiros, a roupa a ser usada, o perfume, enfim, tudo era cuidadosamente colocado em cena. Alíás, minto, menos os eleitos. Estes não tinham a mínima importância, eram apenas figurantes em sua cuidadosa direção e a eles era destinado apenas o desprezo.
Em se tratando de uma bela mulher, não lhe era difícil o jogo da sedução. Pelo contrário, notava como mexia com a libido dos machos. A dama do sabonete não pegava lotação, passeava despreocupadamente por um shopping qualquer em busca de sua alegoria. O mercado dos desejos se diversificou, se globalizou e agora a figura suja de um motorista não cabe nos fetiches da classe média. O que não me causa espanto, pois acho que há na postura dela uma espécie de fixação olfativa. Talvez seja uma ânsia mórbida de limpeza, como aquelas velhas donas de casa passando eternamente o dedo sob a superfície de um móvel se certificando que não há pó. Ou até mesmo o velho hábito cristão da purificação, da santificação da alma através de uma vida limpa, reta, honesta e nos conformes. Ou outra explicação qualquer que minha única leitora queira.
Outros hão de supor se tratar de uma nifomaníaca. Análise totalmente destituida de vigor. Durante o ato sexual ficava alhures, maquinando mentalmente a relíquia de cheiros escondida no banheiro. Não sentia absolutamente nada, não divisava nem quem estava com ela. Chego mesmo a pensar que seu alheamento era tão grande que o mundo pairava suspenso, uma imagem difusa parando o tempo. Nem mesmo os homens mais brutos foram capazes de retirá-la de seu cosmo fantasioso. O que se esconderia nessas bolas de cera? Lamentavelmente perguntas sem respostas.