sexta-feira, 23 de julho de 2010

Vale o que está escrito

Depois de longo e tenebroso inverno, voltei. Fiquei até tentado a seguir os ditames da canção do "rei" e dizer que aqui é meu lugar. Na verdade, não sendo mais que uma miragem, só existo na mente corroída pelo álcool desse que se diz narrador. Ser na ficção de outro fantasma demonstra apenas o desatino de se ter um pretenso lugar. Seria o mesmo que tecer um labirinto onde a saída seria mera ilusão. Não vá imaginar, meu caríssimo leitor, que, em vez de cumprir minha obrigação, ou seja, escrever, estava a vagar, divagando para me livrar das dificuldades da escrita. O tortuoso caminho da metafísica não me foi destinado.

Antes de ir mais longe, gostaria de deixar claro, sem concessões para dúvidas, que não desejo, como, aliás, nunca almejei, navegar em altas rodas da imaginação. E por que haveria eu de meter o bedelho em searas desconhecidas? Afinal, o conhecido não é o porto seguro de todo marinheiro de terra?

Na verdade é aquela sensação de solidão e abandono do jovem Törless. Aquela nítida percepção de que quanto mais me conheço, mais estranho e incompreensível me pareço. E a melhor maneira para isso é se sentir singular em mundos aparentemente distintos. Então voltar é mera figura embaçada, nada mais que pretexto para uma ida, sem volta, ao início. Bem sei que o solo é hostil e tudo não passa de reles figuras retóricas. Mas é preciso partir, vagar ao acaso. Como um indigente histrião perambular do prólogo ao ocaso. Eis a sina da mão inquieta. Tecer a urdidura mais pura, montar o paradoxo mais duro, eis ao que se resume o relato. E como no jogo do bicho, vale o que está escrito.