Era tarde. Adolfo não se deu conta de seu devaneio e muito menos da falta de Pulquéria. Andou por mais de duas horas em torno de seu umbigo e não notou a despedida de sua velha. Ela carecia de descanso. Tinha subido fazia mais de meia hora e cuidou imediatamente de cerrar os olhos e dormir. Lembrava-se vagamente que na hora tentou levantar os olhos em sinal de despedida, mas não teve forças para o conseguir. Quando entrei na sala, não moveu um milímetro sequer de qualquer de seus membros, não esboçou nenhuma reação, embora eu soubesse muito bem que Adolfo havia me visto, ou melhor, tinha tido a sensação de minha presença. A visão que se abria diante de mim era cerimoniosa e com uma cortesia silenciosa. Tudo o mais estava calado. O antigo relógio de parede, a vitrola talhada em mogno maciço, o canário belga, nem mesmo o córrego no fundo da casa rumorejava. Silente sussurro.
Duas semanas antes eles fizeram uma viagem para ver o único filho. Só depois de ter feito alguns quilômetros é que se lembrou de que não via o filho fazia mais de dez anos. "Quando foi mesmo a última vez? Acho que no enterro de Belarmino". Não se deu ao trabalho de perguntar para Pulquéria quando foi que viram Adamastor pela última vez. Nos últimos tempos andava mais calado que de costume. No dia seguinte, já rompendo a manhã, se achavam na cidadezinha que o filho resolvera morar. "Como pode? Parar num fim de mundo desses. Se ao menos houvesse perspectiva para ele crescer. Mas não, veio matar seu talento nessa pocilga infecta". A briga dos dois foi por causa dessa escolha. O filho pródigo resolvera casar e largar tudo, mudar de vida radicalmente. Abandonou uma promissora carreira para ir se enfiar no interior mais escondido.
Não que o desagradasse, mas ele já era um velho quando se mudou. Adamastor não. Era garoto, tinha o mundo pela frente. "O senhor também mora no fim do mundo". Foi o que ele disse. Agora, prestes a rever o filho, a frase badalava feito sino anunciando missa. Três horas depois, já quando o sol dissipara a neblina encobrindo o vale, estavam diante da fazenda, tendo visto os belos morros no final do vale e as esplêndidas plantações da fazenda do já agora coroa Adamastor. No fim de um quarto de hora estavam em frente à porta da sede. Pulquéria, coisas de mãe, não escondendo a ansiedade, adentrou a casa feito um furacão. Mas algo estacava Adolfo. Não demorou muito assomou à porta a figura de um homem robusto, com olhar austero e fixo, envolvendo a mente de um velho vendo diante de si a frutificação de seu trabalho. Morrer sem deixar de ver o filho era o sombrio receio que o assaltava.
Nota do poupador: continua.