quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Silente Sussurro.

Era tarde. Adolfo não se deu conta de seu devaneio e muito menos da falta de Pulquéria. Andou por mais de duas horas em torno de seu umbigo e não notou a despedida de sua velha. Ela carecia de descanso. Tinha subido fazia mais de meia hora e cuidou imediatamente de cerrar os olhos e dormir. Lembrava-se vagamente que na hora tentou levantar os olhos em sinal de despedida, mas não teve forças para o conseguir. Quando entrei na sala, não moveu um milímetro sequer de qualquer de seus membros, não esboçou nenhuma reação, embora eu soubesse muito bem que Adolfo havia me visto, ou melhor, tinha tido a sensação de minha presença. A visão que se abria diante de mim era cerimoniosa e com uma cortesia silenciosa. Tudo o mais estava calado. O antigo relógio de parede, a vitrola talhada em mogno maciço, o canário belga, nem mesmo o córrego no fundo da casa rumorejava. Silente sussurro.

Duas semanas antes eles fizeram uma viagem para ver o único filho. Só depois de ter feito alguns quilômetros é que se lembrou de que não via o filho fazia mais de dez anos. "Quando foi mesmo a última vez? Acho que no enterro de Belarmino". Não se deu ao trabalho de perguntar para Pulquéria quando foi que viram Adamastor pela última vez. Nos últimos tempos andava mais calado que de costume. No dia seguinte, já rompendo a manhã, se achavam na cidadezinha que o filho resolvera morar. "Como pode? Parar num fim de mundo desses. Se ao menos houvesse perspectiva para ele crescer. Mas não, veio matar seu talento nessa pocilga infecta". A briga dos dois foi por causa dessa escolha. O filho pródigo resolvera casar e largar tudo, mudar de vida radicalmente. Abandonou uma promissora carreira para ir se enfiar no interior mais escondido.

Não que o desagradasse, mas ele já era um velho quando se mudou. Adamastor não. Era garoto, tinha o mundo pela frente. "O senhor também mora no fim do mundo". Foi o que ele disse. Agora, prestes a rever o filho, a frase badalava feito sino anunciando missa. Três horas depois, já quando o sol dissipara a neblina encobrindo o vale, estavam diante da fazenda, tendo visto os belos morros no final do vale e as esplêndidas plantações da fazenda do já agora coroa Adamastor. No fim de um quarto de hora estavam em frente à porta da sede. Pulquéria, coisas de mãe, não escondendo a ansiedade, adentrou a casa feito um furacão. Mas algo estacava Adolfo. Não demorou muito assomou à porta a figura de um homem robusto, com olhar austero e fixo, envolvendo a mente de um velho vendo diante de si a frutificação de seu trabalho. Morrer sem deixar de ver o filho era o sombrio receio que o assaltava.

Nota do poupador: continua.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Crítico Predileto.

Não me peçam minúcias nem preliminares sobre o assunto. A escrita desdenha o texto fino e o acabado das personagens; contento-me com quatro linhas tortas, mas representativas. Minha imaginação é preguiçosa e logo encontra dificuldades na primeira palavra, por isso não me aventuro em ficções. Não venho a esse espaço por motivos de amores ou por razões confessionais, mas para ver se alguém, um parente ou um amigo, ou um pedreiro, possa ter a mesma reação que o escriba. Não eu, já que não existo subsistindo. Já o disse diversas vezes: a personagem, o narrador, o escriba, o poupadordeporra, o autor, o dono da senha, nenhum deles sequer roça em mim. Tudo não passa de ficção barata com ares de profundidade. A pretensa densidade de algumas crônicas é fruto de uma árvore torta, cascas grosas, folhas duras e calcinadas pelo sol. É mero espelho onde os vários escritores, que por aqui passam, desfilam suas frustrações. A leveza, por vezes tentadas, é de chumbo. E, finalmente, a pretensão é marca registrada.

Não posso me furtar a esses comentários diante da tentativa tola de um tal Libório. De maneira pouco sutil, tenta nos envolver em um mistério totalmente destituído de interesse. Sim, a minha primeira impressão foi de asco; íamos ter uma narrativa longa e falaciosa. Depois, lembrei-me de famoso conto de certo literato estadunidense, e achei estranho o desenvolvimento do tema. Enfim, como é que ele, que tanto a queria, embora como um vulcão prestes a explodir, ia separar-se dela repentinamente, para reviver um passado banal? Não que a vida de casado fosse original.

Após alguns minutos de silêncio, sincero, meio calculado, retomo a narrativa para persuadi-lo da minha crença de que deve ser posto ponto final nessa história do Libório. Digo-lhe que é melhor não dar curso ao barco desgovernado. Uso palavras rígidas, às vezes enfáticas. Noto que o par de leitores que acompanha essas sandices do poupador, ou do Libório, ou missivas malucas, traz nos olhos certo constrangimento. Bem sei que meus comentários são uma espécie de sopa fria em sua ânsia de algo bem escrito. Creio, ainda, que essa última frase é motivo suficiente para que eu termine essas considerações. Eu cá fico com meus remorsos e saudades.

Abraços, e não me leve a mal.

Seu crítico predileto.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Libório II

Graciosamente o dono do espaço cedeu-me mais algumas linhas para eu contar minha derrocada. Sem querer ser cabotino, já o sendo, me vejo na obrigação de falar um pouco sobre essa pessoa chamada Libório. Embora eu já tenha adiantado alguma coisa, não falei do essencial. Cresci entre mulheres. Tias e primas me rodeavam. Apenas meu irmão como companheiro. Daí que passei a compreender, embora sem o apreender, cada mínimo gesto das fêmeas, cada olhar furtivo, cada desejo escondido em cada suspiro enfastiado.

Isso me valeu muito em minhas caças. Sim! Era assim que me sentia ao abater mais um belo exemplar feminino, um verdadeiro Hemingway. Eu, Libório, era, de fato, um galã muito feliz. Possuía cabedal de longa monta e dele fazia uso indiscriminado em minhas mentiras elegantes. Bem sei de como eu era querido pelas moças, que tão bem eu sabia cativar. Agia sempre em um plano medíocre, de vaidade e pura ternura por tudo quanto se relacionasse ao sexo oposto. Ternura esta na mesma medida de meu desprezo, pois tudo que amo me é desprezível.

Quando a vi, no mezanino da rodoviária, como narrei na primeira na primeira vez, senti bem que minha vida sofreria um destes danos que nada pode reparar. O fato é que me casei com a moça e me desfiz em mesuras no único intuito de esconder o que ia em meu íntimo. Meu grande e único erro. Durante todo tempo de nossa união, presumi estar a salvo do cântico da rodô. Ela não me fazia perguntas nem remexia em meu passado e, nos três anos que ficamos juntos, nunca a vi olhar para ninguém. Uma vez, cheia de rodeios, mencionou de passagem um de nossos inúmeros e inúteis convidados, já que os festejos eram a tônica, a sub dominante e a dominante de nossa cadência plagal.

Era setembro, quase um ano atrás. A seca estava braba, uma época dura para mim, mesmo tendo passado praticamente toda minha vida no cerrado; era o começo do fim, de certa maneira. Não foi nada fácil para mim, confesso. Mas o canto da sereia tomou conta do meu espírito e retornei ao mezanino. Mas isso, caso haja outra oportunidade, fica para depois.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Missiva Alheia

Anda carcomendo meus miolos, mais uma vez, a preocupação banal acerca da escritura domada, sob seu jugo, fazendo tudo que você deseja, como se faz com um cavalo xucro. Segue até uma epígrafe de um poeta empolado que não gosto e não lembro o nome. Na última crônica percebi querer domar o indomável. Diante disso, não me atemorizei, e de lança em punho segue mais uma tentativa, sempre canhestra, como já anotado em crônica anterior. Dessa vez, trata-se de uma adolescente do século passado apaixonada.

Tão somente só

No dorso do tempo.


 

Corcel indômito

Fugindo das amarras.

T... março de 19...

Oi amorzinho!

Ô barbadinho, a saudade já ta sufocando, já não estou achando graça. Sinto ver as flores secando dentro dos meus livros; sinto ver seu retrato na cabeceira; não posso tocá-lo, nem senti-lo; é papel. E a camisa sem corpo, lembra-me a todo momento que falta uma grande coisa dentro de mim, que só vou encontrar quando o navio dos meus olhos se aportarem nos seus. Você tão longe e eu aqui escutando músicas que gostaria que ouvisse, pois sei que iria gostar. (Paulinho Nogueira só no violão). Queria dividir com você este momento musical, sentados no chão em volta de minha velha vitrola. Aí eu ficaria vendo você de olhos fechados ouvindo a música, te daria um montão de beijinhos ou quem sabe um só, lento, leve e silencioso como um despertar...

Quem sabe até as rosas dos livros renascessem com nosso amor, se abrissem lentamente como a música que ouço agora e enfeitassem nosso canto, como meu jardim, e do restinho de céu que posso ver de minha janela, a estrelinha camaleão se acomodando mudaria de cor várias vezes deixando nosso beijo azul, amarelo, branco... Estou me perdendo aos poucos com a sua lembrança, acho que ouvi você falar meu nome, acho que te beijei mesmo sem você estar aqui, meus lábios ficaram molhados... Sinto meus dedos percorrendo seu rosto, vindos da testa e se perdendo em sua barba. Acho que te vi, acho que vi um gatinho, que você até me olhou; senti isto, sorri. Acho que você deitou comigo sem saber, acho que te amo.

Como faz falta este coraçãozinho que eu roubei, que lindo, meu amor é potente e acertou o alvo que eu quis acertar, laçou seu coração bem como eu quero... Que bom! Eu amo esse presente, esse agora, este fevereiro-março-abril. Nasci porque esqueci da angústia e do medo que me manteve escondida da vida, do amor. Estou apaixonada pela lua, por uma estrela, pelos rios e "pedras", cachoeiras e "barracas". Estou apaixonada pelas flores, pela poesia e pelo violão. Estou apaixonada por você, por mim, por nós...

Continua na outra página.

Não deixe de ler.

Agora 1 minuto p/ os comerciais.

Beba sempre um SORRISO!

E assim foi a tentativa de uma missiva. Ainda me parece que não fui talhado para a escrita.

Esclarecimentos finais: eu, o poupadordeporra, não tenho nada a ver com o textículo acima. O cara pediu para eu publicar... publiquei! Fazer o quê? Digo também que isso aí me parece coisa de boiola, e mais não digo.
É só, fui.


 

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Libório

Meu nome é Libório, sou proprietário de uma grande distribuidora e podia me dar ao luxo de ficar o dia inteiro na rodoviária do plano piloto. Tratava-se de um de meus velhos hábitos, quando não tinha o que fazer em casa nem no escritório, passava as horas admirando as mocinhas em seus trejeitos sensuais. Procurava abordar as mais humildes e bobinhas, pois elas estavam mais propensas a aceitarem meus galanteios. Há uns cinco anos atrás, no mezanino, entre as escadas rolantes, tive uma visão inesquecível, tal era a beleza da fêmea. Oh! As suas belas madeixas fizeram com que eu parasse para recuperar o fôlego! Era um regalo poder ver todos os olhos voltando-se para aquele belo exemplar da espécie feminina. Parecia uma odalisca devassa.

Passei a cercar a caça. Observei detalhadamente seus gestos, olhares e o que fazia. Após ter tomado todos os apontamentos necessários, não titubeei e me aproximei com uma conversa fiada de dar vergonha no conquistador mais vulgar. Como eu havia visto minha deusa comprar passes para a Ceilândia não tive dúvidas em perguntar onde se comprava passes para a cidade. No que fui pronta e graciosamente atendido. Para não perder o fio da meada lancei mais uma pergunta sobre o endereço para o qual eu estava indo. Desnecessário dizer que sou profundo conhecedor do Distrito Federal, não só de Ceilândia. As cidades satélites me eram bastante familiar.

Não foi difícil iniciar uma conversa. Faz-se necessário dizer que o destino me foi favorável, já que o endereço que eu assuntei era próximo de sua casa, o que me facilitou e muito a vida. Fomos deliciosamente sentados juntos. Não perdi tempo e me fiz solícito, educado, engraçado, atencioso, enfim, um perfeito cavalheiro. Quando descemos a convidei para um lanche. Mais uma vez o destino veio me felicitar. Havia próximo um lugarzinho na medida para deixar a ninfeta deslumbrada. Aconchegante e bem simples, como seu belo sorriso sempre com um ar matinal. Eu sabia que ela ia gostar, e muito. Provavelmente nunca tinha ido lá, embora o conhecesse, pois os preços eram proibitivos, não obstante o aspecto simplório do lugar. A comida era de excelente qualidade e eu sabia disso. "Muito bacana do plano baixa aqui pra rangar. Alguns até com seguranças". Falou-me ao ver aonde iríamos.

Foi o início de minha queda, mas isso fica para depois. O espaço narrativo que me foi concedido ficou pequeno. Quem sabe o poupadordeporra não deixe eu terminar amanhã, ou mesmo depois.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Epístola aos Evangélicos

A escrita nos reserva segredos insondáveis, meu par de leitores. Digo isso ao sentar e perceber que não tenho assunto e que irei acabar gerando espontaneamente o que se segue. Essa frase é confusa, mas, como já dito várias vezes, não estou aqui para emendas e correções. A água nascente do pensamento segue seu curso. Não faço aqui análises que não estou talhado para tal. Antes, porém, é necessária uma palavrinha de esclarecimento. No momento em que digito esse textículo, em que faço essas reflexões, uma ponta de dúvida assalta meu pensamento. Seria mesmo possível dominar o texto de tal forma que ele reflita exatamente o desejado? Diante disso insisto na circunstância pouco caprichosa do teclado e o que sair saiu.

Como último comentário, pois não quero fatigá-los com narração minuciosa, digo apenas se tratar de uma tentativa que procura ser o mais fiel possível, sem trocadilhos, ao discurso de um pastor evangélico, vazio ou não, como já dito, não me compete. Boa leitura e que os céus me protejam da ira dos deuses.

"Senhor eu oro para que os trezentos guerreiros tragam a adoração. Meu Deus, hoje o lugar é agora e você tem uma saída, Deus tem um milagre para mim. Derramarei de meu espírito as tolas aparências para acolher sua benção, para receber sua nova unção. A minha vitória é grandiosa, pois glorifico seu nome. Minha glória é uma mensagem abençoada espalhando suas palavras. Meu ardor por ti ouve tua sabedoria. Senhor tem pessoa que só cuida da roupa terrena. Essa pessoa não sabe que estamos diante de ti todo sempre e sua mensagem cuida da roupa espiritual. Bendito seja os servos que estão diante de ti todo tempo. Senhor coloca na minha boca a palavra certa, o instrumento que me permita estar diante de ti e produzir coisas boas. Bendito são os servos de Deus que bebem de sua sabedoria, pois sua palavra é poderosa. E é em nome desse poder que invoco o nome de Jesus para ordenar que o mal, tanto faz se com ele ou u, saia, que o capeta e a macumba saiam e não voltem mais".

O que me causa espanto não é tanto o texto, mas o ator. Quem já teve o privilégio de presenciar o espetáculo sabe do que falo. E mais não digo, pois já se alonga minha demência.