quinta-feira, 19 de março de 2009

Textículo Insolente

Quando publiquei os primeiros textículos nesse espaço virtual, meu cioso leitor e minha sensual leitora acharam simplesmente detestável. Constatou-se ligações literárias indignas com Machado de Assis, Jean Paul Sartre, Xavier de Maistre, Dyonélio Machado e tantos outros. Sua escrita não tinha leveza nem colorido, afirmaram. A estrutura, quando havia, era pobre e mal ajustada. A temática era rebuscada, anacrônica e de um filosofismo duvidoso. Em resumo: acharam execrável. Seguiram-se críticas durante o trajeto. Foi salientado o absurdo, o vago, o emprego indiscriminado do diálogo direto, o sentimentalismo, muito a propósito, diga-se de passagem, em narrativas como essas, pretensamente eruditas, a especulação revela tão somente um narrador ignorante. Concordo em tudo.

Como se sabe, a ostentação de palavras soberbas não passa de um textículo insolente. Eu, o editor, faço como Pilatos e não me envolvo em tais questões. Deixo a contenda para os sábios mais sagazes da cultura, do saber, da filosofia, enfim, os geradores de dúvidas. Já o disse anteriormente: assisto impassível a invenção da incredulidade. Se não me falha a memória, em sua última crônica o poupadordeporra, ao fim de um incrível esforço criativo, especulou sobre o real, dando, inclusive, como título uma citação de Goya. De seus propósitos insensatos restou apenas a impressão de que o narrador está cansado de si próprio.

Sucedeu, porém, que li, em uma das melhores publicações do mundo cibernético, uma crônica em tudo semelhante à do poupadordeporra. Meu primeiro impulso foi vociferar contra crime tão hediondo e denunciar ao mundo o plágio. Forçoso reconhecer, porém, que a máxima publicitária vigora e nada se cria, tudo se copia. Creio que as questões fundamentais da natureza humana já foram formuladas e não passamos de meros papagaios repetindo o velho bordão. Suponho que o que move essa maquinaria, tanto a do narrador como a do autor, é um destino tenebroso, cruel onde a ânsia funesta não é mais que uma frívola esperança. Acredito que ambos ficariam felizes se pudessem riscar da memória tudo que leram, viram ou ouviram, ou seja, o branco total.

Devo reconhecer, nesse ocaso, o louvabilíssimo empenho dos escribas em amortecerem a vaidade da escrita, quiça para nossa própria satisfação. Como último comentário, acrescento minhas desculpas por ser, digamos, um parvo nesses assuntos. Contudo, sem me promover, naturalmente já puxando sardinha para meu lado, assumo meus suspiros desprezíveis, confesso que meu olhos se enchem de prantos ao perceber minhas dores expostas, reconheço que me consumo em um mal que desconheço: o textículo insolente.

quarta-feira, 18 de março de 2009

“O Sonho da Razão Produz Monstros”



Está decidido, minha boa leitora, parto. Abandono a desolação das ruínas, deixo esse claustro sombrio e tomo o destino dos mortos. Rio Aqueronte será minha fonte, meu mergulho em terras mais felizes. Antes de ir adiante, talvez seja melhor, antecipadamente, inventariar, embora eu não seja propriamente um materialista pragmático, a razão pela qual insisto em tecer as insígnias de minha pobreza. Minha alma apodreceu sob a ação da realidade. Miseravelmente corro para uma perda inevitável, arrasto-me disfarçando o horror de olhar para mim mesmo. É meu desejo partir, o barco está pronto e o rio é sem terceira margem. Esse princípio de melancolia ousa revelar abertamente meus ardores insensatos, escancara os anos que fizeram vergar as tristezas de todos nós.

Eu, de bom grado, mudaria o curso das coisas, se estivesse em mim essa possibilidade. Modificaria meu caminhar lento, afastaria a tristeza, cuja causa reside na própria vida, e, decidamente, removeria esse ar diabólico de meus olhos. Contudo, meu estado aflito, acabrunhado não tem história, não conhece os limites da verdade e me é impossível alterar qualquer acontecimento que seja. Mas há de se reparar bem nessa coisa interessante, minha doce leitora: a razão é um embuste.

Goya, conforme minha leitora pode comprovar lá no início, vai nos dizer que o sonho da razão produz monstros. Já a idéia platônica nos diz que ela é inerente ao ser humano e ela só pode existir em contraposição ao mundo de nossas emoções, aos sentimentos, às paixões, que são cegas, caóticas e desordenadas. Você, minha linda leitora, como pessoa bem informada, eu diria uma intelectual, há de convir comigo que isso é aborrecido e não carece de maiores abordagens, já que a literatura especializada é farta e eu não passo de um especulador barato, um ignaro com rompantes de "sábio". Argumento com o qual concordo em número, grau e gênero. Portanto, deixemos de filosofices e vamos dar cabo nesse textículo. Eu, como um sensitivo, não faço questão de idéias.

É certo que meus vizinhos não viram – não poderiam ver, ninguém seria capaz de ver – a comoção tomando conta de mim. O fato é que ninguém nunca mais me viu. Nunca mais! Parti rumo à torrente e assim me foi destinado.

Acontece muitas vezes que um trecho mal escrito, mas digitado por mãos sob a influência de um sentimento profundo, com demonstrações de suplício e prazer, cause uma impressão maior que os grandes romances, aqueles urdidos por artíficies junto aos quais jamais chegarei.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Triângulo Estranho

Havia já tempo que ela tinha ido embora. Assim, de inopino, rápido como um guepardo. O motivo pouco se me fazia.Lembro vagamente de como andava cansado daquela vidinha monótona, sem perspectivas, sossegada em demasia e sustentada na putaria. Chega uma hora em que me canso com tanta tranqüilidade, com trema, e tudo que quero é um rebuliço. Acho que foi o enredo final usado. Na verdade, foi um argumento desenvolvido com habilidade e denodo. Deliberadamente forjei uma desculpa para não ter que dizer a real. Eu estava sendo enterrado vivo junto dela. Já não produzia nada, ficava o dia inteiro olhando para o rabo daquela gostosa. Sim, devo confessar: era muito boa. Creio até que foram seus dotes sexuais que me seguraram durante três anos. De fato, era uma foda muito gostosa.

O tamanho de sua medíocridade era proporcional à bunda. A cada mostra dos dentes alvos disparates eram proferidos. Opiniões cheias de clichê, certezas repletas de cegueira, filosofia de quinta, sexta mão, enfim, uma representante típica de uma classe média desprezível e cheia de si. Mas a bunda, essa era esplendorosa. Devo dizer que a putinha não se fazia de rogada e gostava muito de trepar. Encanto dos encantos. Isso fazia com que eu ficasse o dia inteiro em casa, só labutando, sem pensar em mais nada além de labutar. O sexo ocupava completamente minhas cabeças. Cheguei a comprar o Kama Sutra e acabei por descobrir minha incapacidade para malabarista.

Evidentemente isso causou uma crise sem precedentes na economia do distinto que vos escreve. Essa bolha de hoje é fichinha perto da penúria em que fiquei. Acho que isso contribuiu e muito para sua partida. Depois que ela se foi caiu a ficha e percebi que teria uma luta grande para me recompor. Começei disparando desculpas para todos recados não atendidos, coisa que me ocupou por vários dias. Alguns ficaram ofendidos e aí eu me esmerava na vaselinagem. Foi um custo, mas arrumei alguns trabalhos e pude limpar a casa. Fico pensando se não estou velho demais para me dar a esses luxos de burguês folgado e seguro de si.

Eis que agora me surge a peça. Espalhafatosamente vestida, como sempre foi. A única mudança ficou para as etiquetas, bem mais dispendiosas que as de outrora. Mas sempre brega. Efusivamente veio em minha direção com a intimidade dos amantes. Não tardou muito para que patrocinador de tudo aquilo chegasse e me fosse apresentado.

- Ah, então é você...

Disse o sujeito baixo, de cavanhaque cuidadosamente circulado e com a caracteristica enfatuação da classe superior. Obviamente meu retrato havia sido pintado com grossas tintas. Agastei-me ligeiramente com essa promiscuidade, esse estar íntimo de uma relação que eu ignorava por completo. Minha sorte é que eu estava já na metade da terceira garrafa de um bom cabernet sauvignon, encorpado, seco e com um sabor marcante, como eu gosto. A vaporosidade tomava conta de minha mente e nesses momentos me torno o sujeito mais simpático do mundo. Ao contrário do autor que sucumbe ao terceiro copo de cerveja. Mas isso é outro assunto. "Sou eu mesmo", respondi com um baita de um sorriso no rosto, o que me franqueou uma conversa amena durante toda a noite. Como que pressentindo o devir, achei que aquilo não iria dar certo. Muita efusividade em um triângulo estranho. Isso fica para depois...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Meu Caro Cronista..

Conservo, há muito, em minha memória, a dádiva da dúvida. Era ainda menino, quando a recolhi em minhas caraminholas. Mediante um mecanismo simples, costumava dar corda em minha criança curiosa e pouco disposta a qualquer resposta. O sistema era acionado sempre por um olhar indiscreto. Foi pensando nisso, caro amigo, que a confiança nasceu para mais uma travessia, e parti a toda pressa para traçar esse textículo. Longe de mim supor saber fazer o que pretendo. Mas, para sabermos, é necessário agir. Contudo, atuar significa colocar luz nas ações que nos matam de vergonha. E, como é de conhecimento de meu dileto companheiro, Dejanira já havia nos alertado, em famosa narrativa, que as ações vergonhosas devem permanecer na sombra.

Assim sendo, pareceu-me de bom alvitre, não podendo furtar-me à escrita, para que não pense o senhor que se trata de patranhas, ou de meras palavras, e possa, quando for de seu gosto, deitar olhos nessas linhas, ordenar um pouco a bagunça que ora segue. Muito bem. Não acredito que meu camarada pense que vou mudar radicalmente o rumo da mão, tampouco penso em manter sempre o mesmo ritmo. E, a fim de fazer com que meu aliado acredite piamente no que narro, faço do risco o bordado. Faço da troça o troço. Outro dia, por volta da hora do almoço, me peguei urinando em um monte de areia enquanto fazia uns desenhos com o pincel líquido. Coisa natural para uma criança e vergonhosa para um adulto. Para o velhos, assim como os demais assuntos, apenas a indiferença.

Já o vejo dizendo:

meu caro cronista, esse seu texto, que você insiste em chamar de textículo e com as lacunas próprias de um principiante, tem todas qualidades de um amanhecer. Com os anos domina-se a arte, ampliam-se os recursos e a busca da palavra certa no momento exato para os que tentam traduzir idéias – com acento – e sensações, torna-se leve e não um fardo. Como já diria o maior de todos os mestres. Ainda me refererindo ao autor citado, lembro o perigo de se tornar o Vieirinha da literatura, regente de uma orquestra de gemidos. Na prosa, dizem alguns, o perigo é menor. Tolice. Frases amontoadas e incompreensíveis nos dão a exata medida do desalinho. Como você mesmo disse em crônica anterior: a incapacidade da originalidade confere um toque de impostura, ludibrio. Meu amigo, tinha planejado uma apreciação longa e minuciosa de sua escrita, havia até deixado um esboço pronto para nortear minhas reflexões, no entanto, compromissos de outra ordem me tomam a atenção e fico por aqui.