sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Serafim

Serafim, poeta teimoso, fascinante, e, contudo, muito frágil, jamais acreditou que tivesse bossa para a escrita. Ao contrário da maioria dos autores, atribuía todos os méritos aos seus escritores-fantasmas. Tratava-se de uma criatura estranha, obsessiva e obstinada no que diz respeito a si próprio, tão obcecado por seu brilho pessoal que diuturnamente um sentimento de culpa o mordiscava por todos os lados. Este parecia viver em alguma parte, na obscuridade de seu subconsciente; bastaria acender uma luz e lá estaria ele, apanhado em algum gesto peculiar. Ele, o sentimento de culpa, sentia o triste alívio de alguém que compreende que havia um amor que já não o feria.

Já Serafim, é certo tipo de artista que personifica os mais lamentáveis defeitos: é meditativo e, no entanto, cego em relação a si próprio; original, porém horrivelmente familiar; bebe demais e está sempre procurando alguém que o aconselhe, embora não esteja disposto a segui-lo. E foi a busca pela personagem autêntica que deu início a essa discussão amigável entre seu sentimento de culpa e as personagens. Às vezes ficava assustado diante da maneira pela qual as personagens tomavam forma no escuro, sem o seu conhecimento. Outras vezes combinava o tom perfeito dos gestos com o mais afinado dos sentimentos. Esse momento, quando tudo dava certo, era para ele uma satisfação e não se sentia o peso do desperdício que quase sempre é sinônimo de mau gosto.

Os outros riam desabaladamente, achando que era safadeza da cabeça dele e que nenhuma personagem precisava de autor para dar frutos. Bandeei para o lado dele, mas, sempre muito falastrão na hora de defendê-lo, calei-me pasmo da minha profunda ignorância. Ele era o único que tinha certezas absolutas, eu era incapaz de perceber quais personagens eram impecáveis.

Hoje em dia, é preciso que tenhamos cuidado até mesmo com os nossos passatempos.