segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Balada de Baco

Suavemente a vista se acostumou com a escuridão do dia já claro. Pequenas gotas de luz penetram o quarto escuro sendo divisado ao poucos. Não gosto de levantar de supetão. Preciso ir me acostumando com o despertar. Um adágio preludiando o vivace que se anuncia. Assim se inicia o longo e penoso devir. Não que seja um fardo, uma coroa de espinho, mas hoje especialmente sinto que a jornada será longa. Também, depois da noitada de ontem. Onde já se viu. Em minha idade sair embevecido atrás de uma ninfetinha.
A cabeça lateja e ela ali ao meu lado. Olho seu rosto e penso ter valido a pena. É uma gracinha. O frescor da idade em corpo perfeito. É... o dia será duro, mas a noite me deu forças para o embate. A lamentar somente a cabeça pesada e enevoada por largas doses insistindo em seus efeitos. A menina era profissional etílica e foi duro dar conta do recado. Minha sorte é que longos anos de treinamento não me deixaram fazer feio. Antigamente a teria chamado de amadora. Mas, hoje? Não passo de um coroa decadente no ofício da birita. Dioniso velho pensando ainda em chefiar as fêmeas. A loucura dionisíaca não impõe moderação.
Mesmo na arte da camarística, digamos assim, se me falta vigor, sobra malandragem. Sem atinar que desatino, faço da flauta meu duo, apenas para servir Baco e sua folia, só para declarar, assim como Orfeu, à cítara, que escuto árvores com música. Não sendo eu filho de Semele e Zeus, nada sei de terras Lídias ou Frígias. Tão somente a tentativa de girar a linguagem. Bem sei que canhestra, longe de ser um ginasta. E ela dorme como uma ninfa. E o medo de que me roube a razão é imenso.
É a loucura rondando o coração. “Viver o belo, fazer brilhar, sem mácula, noite e dia”. Eis aí o Touro mostrando sua máscara, seu escárnio. Eis aí a bruma dos significantes dedilhando uma harpa desafinada. Assim permanecemos: sem saber o que é ser sábio, um império regido pelo imprevisto. Eis aí a linguagem. E ela é bela e dorme. É! Realmente valeu a balada de ontem.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Rabiscos Podres

Um sentimento estranho, incompreensível para mim mesmo, se apodera de meu amplo deserto. Com um aspecto sombrio e abandonado à própria sorte aduba minha amarga solidão, povoa de sons ásperos meu tumulto silencioso. Um violino desafinado sola sua pena cinzenta, seu teclado obscuro e sua tela pouco simpática aos desígnios de uma escrita com abundância de pormenores. Meticulosamente anotado, o textículo engendra problemas complexos. Só mesmo a mesa de um bar, onde resolvemos uma chusma de problemas, para enriquecer o discurso, tornar a fala fluída, florir o riso. Mas aqui não é o bar do pingüim e traço um compasso composto, torto como a quimera do poeta mineiro.

Longe, na lonjura inalcançável, bordo um desenho distinto, feito de traços toscos e tinta negra. Na penúria do isolamento componho um grito mudo, uma paixão violenta e mais uma ratazana é parida. O pútrido aroma de miasmas embala a seresta, acalanta o amor feito com restos de fezes. Note bem, meu desocupado leitor, a dificuldade para se achar um sinônimo para a palavra que norteia essa narrativa. E qual seria o rumo senão esse? Apenas roçar a roça, capinar o mato e plantar a semente da loucura. Semear a estranheza de um sentimento esquisito, eis ao que se propõem esses rabiscos podres.

Vamos finalizar logo esse textículo, pois não me sinto no direito de lhe impingir tantos destinos. Posto isto, lamentando ter despendido seu tempo e os seus recursos intelectuais em questões menores, elaboro mentalmente um projeto de final, que, mais uma vez, se mostra de forma pouco nítida, com nenhuma precisão e uma lógica de alienado. Assim, portanto, penso comigo mesmo, dou as questões por encerradas.