sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Agora fale o senhor…

Minha intenção é narrar um pouco as burlas de nossa cidade, cujos bons hábitos se encontram manchados com nódoas estranhas e práticas vis. Contudo, na verdade, ela, a povoação, tem muito mais valor, já que, por grandeza de espírito e dispondo de estímulos próprios, é nosso horizonte, nosso farol em pleno cerrado, nossa verdadeira imagem.

Em nossa urbe, que, como já insinuei, está repleta de fraudes, não há muitos anos, existiu um nobre senhor, já falecido, dono de sesmarias e de calmarias. Não é minha idéia dizer o seu nome, assim como não indicarei nada que possa revelar identidades de possíveis personagens que por ventura apareçam nessa narrativa. O tal senhor nascera de alta linhagem e não conseguia esconder o desprezo que sentia pelo surgimento da maquete, porque ela era uma invasora em suas sesmarias. Além disso, mais tarde, notando o brotar de uma geração diferente, apesar de toda camisa de força imposta, ele não poderia, de nenhum modo, admitir que novas idéias, com acento, pudessem se imiscuir no discurso fechado em décadas de repetição.

Apaixonado por gado; e de tal maneira exercia seu amor que, se não comprasse um boi por dia, não conseguiria vencer o tédio do dia seguinte. Entretanto, o homem de grande valor não possuia um cabedal condizente com suas necessidades. Sendo ele muito precavido, não se arriscava a ficar sem o cacife suficiente para o lance seguinte, nem sem o lastro de futuros lances. Receava não dispor de recursos que permitissem assegurar sua velhice. Dessa maneira, procurou construir sua fama de caráter impoluto visando fazer daquela terra sua apólice para o devir.

Após refletir sobre o melhor modo de proceder, concluiu pela simpatia, a troca de favores e julgou ser momento propício para agir. O plano estava feito. Seria político.Desse modo, decidiu se aproximar de um bondoso religioso com fama de vida santa. O santo frade percebeu de pronto que o homem tinha uma atitude de bonomia e honradez. Não é novidade para ninguém, que essa união rendeu e rende bons frutos desde priscas eras.

Agora fale o senhor, que eu não tenho mais nada a dizer. Terminando Machadianamente esse textículo.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Petulância

Graciosa leitora, tanto quanto Riobaldo, ao assuntar e mirar o sertão, também eu, da mesma maneira, ao vislumbrar o cerrado, me vejo induzido a narrar o acontecido. Necessário será dizer precisamente o teor da escrita, visto que você, minha amável amiga, já escutou bastante, desde o princípio, as supostas razões das garatujas aqui publicadas. Em várias outras oportunidades salguei o mesmo porco. Dei outra volta ao parafuso e, como sempre, me faltou a arte. Mal terminei a última crônica, em cuja feitura ri muito, me vi diante da total falta de assunto para a seguinte. Como você já pode ter percebido, escancarada por minha pobre escrita, freqüentemente, com trema, minha falta de criatividade se deixa notar, isso quando não assume ares de protagonista. Sendo você muito discreta não levantou a lebre e poupou-me do ridículo.

Seja qual for o tema, mesmo que dele já se tenha mil vezes falado, a narrativa deve proporcionar senão prazer, o deleite sublime de tudo que possa dar alegria. Diante disto, ainda que na maioria das vezes meus textículos não suscitem senão pena, tento expor o que não pode ser relatado. Um grande malogro anunciado. Sempre acreditei ser de bom alvitre narrar amenidades, uma dança trevisana, um livre novelar. Sempre tive a opinião de que escolher uma entre milhares de histórias que poderiam ser narradas era de uma arbitrariedade imensa. É pouco provável que eu tenha arrancado suspiros de minha belíssima leitora, É bastante verossímel que minha fábula não arranque senão queixumes. Pondo-se, contudo, de lado essas ruminações, digo que rir ainda é o melhor remédio.

Infinito e vasto é o reino da fantasia. Desse modo, escolhendo arbitrariamente a história, tento apresentar uma. Afirmo, portanto, que não passo de um ludibriador. Bem sei que sua generosidade irá se compadecer desse pobre escriba e irá lhe dar o perdão solicitado. A tenho como uma mulher de infinita bondade. Entre outros pecados, tenho o maior de todos: a presunção da escrita. E é a natureza dessa presunção que me leva a desistir de narrar o que ia em meu espírito, para contar coisa diversa. A isto me conduz a estupidez. Viajando pelo mundo, e comprzendo-me ora com este, ora com aquele lugar, supuz saber algo da alma humana. Tolice. Existiu, e ainda existe em mim, a petulância dos ignaros, dos tão tolos que chegam a crer com firmeza em si próprio.

Pondo-se, contudo, de lado essas ruminações, digo que rir ainda é o melhor remédio.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Idade sem Razão.

Acordei com uma sobra de sonho grudada em meus grandes, duros e cansados olhos. Erguendo seu rosto largo, a ilusão ainda me ofereceu, em um último aceno, um sorriso luminoso, com gestos suaves e lentos. Uma pequena volúpia escondendo o longo declive, acentuando o gosto de catástrofe na boca. No fundo, mesmo que eu não queira, trata-se da visão de uma amizade retesada e agonizante. Da minha afeição pela vida, essa criatura soberba, escapou apenas o coração cheio de cinzas. Estou ficando velho, não acredito em nada e trago apenas palavras vazias e pomposas, como um intelectual de araque vomitando com ênfase filosófica sua estultícia. Há cincoenta e oito anos existo como o poeta francês: bebendo a mim mesmo sem sede. Fugir de mim mesmo se tornou obsessão e farol nessa desenfreada busca do nada.

Quando me levantei hoje, senti que havia perdido o risco do bordado, a trama da maquinaria e nada seria capaz de me devolver a doçura das novidades. Ao me desembaraçar dos lencóis de manhã, revelou-se-me a cruel impossibilidade da singularidade. Idade da razão ou não, o fato é que o tempo passou inexorável e nada foi plantado no jardim do imprevisto. Apenas a rosa da mesmice exalando cheiros insuportáveis, miasmas trazendo a notícia do fim. Ao contrário de Mathieu, nunca desejei Espanhas escondidas em um selo, antes o sétimo selo, o jogo sutil com a dama mórbida.

Quisera eu ter uma vaga lembrança de uma coisa que tenha valido algo, um cuidado peculiar que fosse ao me dirigir ao balconista. Nada! Apenas o deserto. Grandes são os desertos, e tudo é deserto meu caro Pessoa, minha cara pessoa, minha amável leitora. Todo mundo tem uma recordação, ignóbil que seja. Não o destino sinistro, a vida inerte. Essa... desconhece paisagens férteis, delicadezas ternas. A arrogância e a solidão lhe botaram abaixo a alma. E é assim que vou me destruindo, roçando imperceptivelmente uma pobre criatura pedindo perdão. Mas é preciso abrir as janelas para que o dia entre na sala, para que a beleza esquiva não seja só a fuga desesperada de si. A idade da razão veio tarde.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O Filho Pródigo

Minha garbosa e feminina leitora, caríssimo e único leitor, eis que estamos de volta. Depois de um merecido banho nos seios nordestinos de Anfitrite estamos aí na área. Vacilou é gol, derrubou é penalti. Após estar deitado na cama verde da Deusa poderíamos recomeçar fazendo como nos primeiros anos escolares. "As minhas férias foram muito boas. A vovó fez ambrosia e ela bem sabe que é um docinho que gosto bastante. Notícia boa: o chato do meu primo não estava na fazenda. Além disso nasceram muitos bezerrinhos. Vovô disse que o malhadinho era meu. Como ele é bonitinho! Todo cheio de manchas pretas. O único pintado no meio de tantos branquinhos, marronzinhos e cinzas".

Não acredito ser um início propício. Não cairia bem em meu rosto vincado pelo tempo. Além disso, parafraseando a narrativa acima, não fui para nenhuma fazenda. Na verdade, ao sentar-me diante do computador, achei que a sala, a casa e a página em branco eram coisas estranhas, realidades que não me diziam respeito. Pensei muito sobre isso, examinei com acuidade e não pude descobrir a razão. Achei que, caso solucionasse a questão, eu poderia restringir todas sensações a termos bem explícitos. Tolice! Uma versão expurgada nunca representa. É uma imagem pálida, desbotada pelo tempo.

Escutem, minha boa amiga e meu dileto companheiro, qual o prazer de se ter a resposta? Antes a procura desenfreada da mesma. Os limites da verdade embaçam minha fantasia, emudecem o solo do pinho. Não nego que um pouco de cartesianismo possa ter sua serventia, contanto que seja leve e risível. As realidades podem ser analisadas e contadas, se não cansarem as orelhas dos ouvintes mais exigentes de sensações. Não me diga, leitor esperto, que a coisa em si é de origem obscura e se trata de um enigma. Bem vejo que o atinado leitor não gosta de filosofia barata e censuras injustas. Sejamos justos. Minha belíssima leitora haverá de concordar comigo que, quanto ao exemplo, a narrativa é falha. É certo que me embaralho em memórias escorregadias. Ademais, como bem observou nosso perspicaz amigo, há erros imperdoáveis na escrita.

É verdade, mas cumpre observar que em toda retomada falta ritmo. A mão fica meio pesada, o assunto não aparece, a gente tenta apelar para os jornais e apenas descobre que um morador de rua aprovado no vestibular, depois de dezenove tentativas, não pode fazer sua matrícula em função da falta de um certificado, diploma, ou o que valha, do primeiro grau. Apresso a dizer que o rapaz tinha o certificado do segundo grau. Coisa de maluco. Nota com enfado o mesmo no lugar de sempre. Refiro-me novos donos das casas. Enfim, as folhas não andam ajudando em nada. E somos obrigados a recorrer ao parafuso. Dar uma volta mais. Mas estamos na área. Vacilou é gol derrubou é penalti e vamos nessa que atrás vem gente. Fui.