quarta-feira, 23 de julho de 2008

Amores e Dissabores.

No final dos anos setenta e início dos oitenta a província de Brasília fervia. Comandava a Fundação Cultural um artista plástico com um certo trânsito entre os militares. Nosso estimado Rubem Valentim, dali da 508 sul, no antigo quadrilátero da arte brasiliense, bradava a liberdade em tempos obscuros. Foi assim, entre o Cine Brasília, o Cine Cultura, o Teatro Da Escola Parque e seu balão de ensaio, o Teatro Galpão, o Galpãozinho e o Beirute, que acabei me envolvendo com a cena artística da cidade. De vendedor militante de jornal subversivo, como Versus, Coojornal, Movimento e outros, passei a ator, poeta, músico, crítico e ativista libertário. Desde priscas eras que minhas garatujas são partes vitais da minha existência e já havia um tempo que a música se tornara caminho obrigatório. Mas, ator e crítico... novidade das novidades.

Era tempo da poesia marginal, do teatro do invisível, da abertura gradual e lenta, das diretas, do consulado cearense anunciar um pavão misterioso, da dona redonda explodir no padrão globo de qualidade, do projeto pixinguinha, da galeria cabeças, dos baculejos – toda sexta-feira, invarialvelmente – no Beirute e do meu primeiro livro publicado. Orgulho dos orgulhos: três mil exemplares vendidos e/ou doados Brasil afora. Bancou, inclusive, duas salvações. Uma minha e de Lago e outra de Rios. Não pense, meu único leitor deitado na rede, que a criatividade deste escriba extrapolou os limites do bom senso. Lago e Rios são sobrenomes de meus diletos companheiros. Essa eu conto depois. Merece uma crônica só dela, sobretudo eu e o Lago.

E fui passando para a maioridade no meio da maior muvuca. A província crescia e eu junto com ela. Os lacerdinhas, embora ainda dessem o ar de sua graça, já não eram tantos. A poeira que afogava os primeiros habitantes ia se transformando gradativamente em um belo jardim. A cidade moderna se modernizava. Alguns companheiros torciam o nariz pra mim. É que eu lia Borges, Heidegger, Nelson Rodrigues, Camus. Aliás, eu lia até fotonovela. Tudo que caia na minha mão era devidamente devorado. No meu modo de entender, o mais injustiçado era Camus. Acusado por ter uma visão política mais limpa, não querendo esconder os expurgos soviéticos se torna o êmulo de seus contemporâneos de vistas embaçadas. Ainda por cima ouvia Pink Floyd, bossa nova, Yes, Rolling Stones, jazz, música erudita. Até parecia que para ter consciência sóciopolítica era preciso ser uma topeira e ficar tomando porre de Geraldo Vandré. A patrulha era foda. E esse estigma de politicamente incorreto me persegue até hoje. Até mesmo, dizem, esse arzinho esnobe de intelectual sabichão.

Foi o tempo de vender os livrinhos de mão em mão. Primeiro ajudei o Niki a vender. Uma vez vendemos um monte em um show que não me lembro qual no Ginásio Nilson Nelson. Depois os meus. De mão em mão, de bar em bar, de garrafa em garrafa a minha estréia literária se deu aos exatos dezenove anos. Foi lançado pela Reprint, editora do saudoso amigo Ita. Ajudei a montar os linotipos. Linotipos? Que porra é essa? Coisa das antigas. São poemas de um adolescente encantado com a vida, com seus prazeres, sua irresponsabilidade, seus amores e dissabores.

Foi por esse tempo minha experiência como ator. Entrei para o grupo Carroça, dirigido pelo Humberto e com grandes amigos. O Lago era um deles. O Miguel. A Mauí. A linda Isabela. O Márcio. Amigos de um momento muito feliz de descobertas. Era como se o horizonte fosse muito limitado para nossa ânsia de enxergar, compreender. A cena teatral era intensa. Um amadorismo gostoso. O Chico vagando no distanciamento de Brecht e a gente fazendo pesquisa sobre a Capital da Esperança.


 

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