Aproveitando o gancho do meu amigo Careca, vou escrever sobre a cesta com quinquilharias impressas que tenho no banheiro. É feita de vime entrançado e comprei em uma dessas feiras urbanas de artesanato que pululam Brasil afora, tipo a da torre. Essas feirinhas onde a oferta de inutilidades beira o grotesco. Bonequinhas aos montes e exatamente iguais, cinzeiros atrapalhando a política do antitabagismo, pifes que só o luthier consegue tocar. Porra, essa palavra gringa é muito esnobe. Vá lá, o construtor. Enfim, meus descansados e parcos leitores deitados na rede, uma míriade de objetos destinados à ornamentar a residência de uma perua qualquer.
Pois bem, voltando ao meu palco. Lá está, bem ao alcançe das mãos, meu farnel, matula de minh'alma onde crônicas, poemas, quadrinhos, jornais velhos, rascunhos, postais de locais onde nunca irei e coisa e tais aguardam uma atenção. Coisas curtas, já que o tempo de adoração não é o mesmo de uma missa. Ah, sim! Há, também, lápis e papel, um bloquinho de anotações. Afinal a inspiração é sempre produto do âmago, esconderijo recôndito guardando a obra perfeita. Rascunhos que podem acabar se tornando aquilo que o bruxo do Cosme Velho chamou de papéis avulsos. Toda essa tranqueira sem préstimo.
Nessa hora, ao obrar em nome do senhor, minhas palavras tomam assento e acenam com uma idéia. Uniforme e robusta, a coisa começa a tomar forma mais definida e clara, às vezes meio escura, depende do ânimo do criador. Além, é lógico, da força que emana de suas vísceras, como já insinuei. A sensação de bater um papo cabeça com o celite boca larga é a mesma que sentimos ao construirmos uma estrutura, precária que seja. Ao projetarmos no ar o produto das orações alcançamos a placidez do repouso. O guerreiro descansa a espada e um sorriso de alívio brota em seus lábios. Depois de terminada a pintura na porcelana, a última e merecida lágrima do labutador anuncia o fim.
Nada se compara ao prazer de vermos uma obra acabada. Umberto Eco não concordaria em nada com essa assertiva. Pronta, a mesma se prostra "a vossos peses, que sendo tantos todo plural é pouco". Com esta acho que é a milionésima vez que fico devendo algo para o poeta menor e de ritmos elementares. E me desculpe a colocação da vírgula. Mas sabe como é: quem conta um conto aumenta um ponto. Mas deixemos de digressões e voltemos ao caso.
A obra em si, nada mostra, nada revela, tudo às ocultas. Se encontra lá, na espera mansa de um furacão que a lance alhures. O que é feito após o término da linha final, da derradeira piscada da retina. De inopino a mão desfere um golpe certeiro no alvo. Uma longa e chuvosa noite se instaura. A obra desce célere rumo ao desconhecido. Rio sem fronteiras corre para o mar e a minha leitura, enfim, chega ao fim.
Lançado o poema de volta ao cesto parece que ele me olha fixamente, como que me dizendo com cruel ironia:
- Não pense você que terminando estará livre. Da próxima vez estarei aqui, te aguardando como Giovanni Drogo esperava os tártaros.
Minha vingança é que troco as provisões de minha jornada matinal, os papéis avulsos, constantemente. Nunca deixo o mesmo conteúdo na cesta. Paulatina e sorrateiramente vou substituindo todas vozes que saem daquele receptáculo. E assim caminha a humanidade. De obra em obra o papel branco aguarda a mácula da criação.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
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