sábado, 26 de julho de 2008

Causos e Cousas Miúdas

Duas semanas no ar. Abobrinhas da terra de pindorama pulularam nesta cama eslástica. Causos e cousas miúdas desfilaram. Meu único leitor deitado na rede não se compadeceu deste pobre escriba e desceu o pau na falta de novidade, de criatividade, de profundidade e coisas e tais. O distinto ainda observou uma série de repetições, expressões gastas, linguajar pouco apropriado, frases feitas e outras e tantas mesmices. Em razão disso, hoje posso me dar ao luxo de dizer asneiras sem que meu único leitor dê por elas. A única causa não é outra senão a de ser o leitor cioso de sua verdade.

Machado de Assis em texto – do qual lançarei mão de alguns procedimentos nessa crônica, pois nosso bruxo não é nenhum mago de meia pataca – de 1876, "História de Quinze Dias", vai nos dizer que a crônica trata de "cousas ínfimas". Surgida de um lance de dados, um acaso, uma lorota contada entre vizinhas faladeiras, esse textículo estaria impregnado de leveza. Ao tratar de temas diversos, com linguagem tirada do cotidiano das ruas, que, aliás, seria outra de suas características, ligada diretamente aos pequenos acontecimentos de seu tempo, a crônica abordaria preferencialmente "cousas doces, leves, sem sangue nem lágrimas". O bruxo começava a pensar nessa nossa instituição literária: a crônica.

Essa suposta leveza acabou por colar na crônica o estigma de bastardinha da literatura. Mesmo os mais simpáticos à ela, deixaram-se levar por análises reducionistas. Como é o caso, por exemplo, de Antonio Candido. Ao dizer que "A sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão", nosso estimado crítico a caracteriza como um tipo ligeiro e despretensioso de literatura. As armadilhas são inúmeras.

Com este epíteto de efêmero colado em sua face, a crônica desbravou preconceitos e se tornou por excelência a pena desses tristes trópicos. Não seria Noel Rosa um autêntico cronista? Aliás, foi na parceria com a música que nossos literatos de gêneros menores, ligeiros e passageiros, conseguiram grandes proezas. Interessante notar a relação existente entre a crônica e a micro-história dos italianos. Partindo de um detalhe traça um longo e minucioso painel da vida sóciocultural de um tempo longo. A literatura e a história: uma relação íntima e perigosa. A crônica e a literatura brasileira: um caso de amor.

Minha intenção não é montar uma exposição panorâmica de meu tempo, o que seria de uma pretensão incomensurável. Nada mais quero que o "prazer do texto"como preconizado por Barthes. Procurar nas fissuras, nos interstícios, o texto de prazer: aquele da fruição, que contenta, enche de euforia, que vem da cultura, não rompe com ela, aquele que desconforta. Enfim, como diria o bardo gaulês: "o que eu aprecio, num relato, não é pois diretamente o seu conteúdo, nem mesmo sua estrutura, mas antes as esfoladuras que imponho ao belo envoltório: corro, salto, ergo a cabeça, torno a mergulhar. Nada a ver com a profunda rasgadura que o texto da fruição imprime à própria linguagem, e não à simples temporalidade de sua leitura".

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