sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Labirinto do Tempo

Antigamente, já faz tempo, em minha adolescência distante, perdida para sempre, eu gostava de contar fanfarronadas com afetação e presunção. Hoje, já passado da meia idade, sem que nenhuma expressão assome em meu rosto, o ardor e o dom da eloqüência não passam de reflexo de uma índole sisuda e é mero retrato de um caráter frio e circunspecto. Parece até que neste corpo não existe alma nenhuma, ou, se existe, está fora do lugar, envolta em uma casca tão grossa, como a do pequizeiro, e o que quer que se mova em seu interior jamais produzirá qualquer comoção na superfície.

Desde sempre, ao menos o que diz a memória, em sua imperfeição de diamante puro, me vejo contador de lorotas e potocas quase sempre adornadas pela pedanteria dissimulada. Antes, na nascente da infância, com todas caretas possíveis de um bebê, sem a conspurcação das lembranças, o riso e o choro eram a imagem do silêncio e fotografia fiel de uma natureza quente e leviana.

Agora, é com indiferença que verto copiosas lágrimas sem saber mesmo das furtivas. Meus olhos gélidos não acham graça em nada, não se divertem mais com as curvas da imaginação e, sobretudo, meus lábios cerrados guardam um silêncio pouco curioso. Até receio por mim e confesso que a travessia é muito difícil. Muito mais fácil é pintar grossas camadas dispersas, colocar na tela a confusa combinação de formas, volumes e cores. Rabiscar então... o êxtase da preguiça. Ou não somos, de certo modo, todos macunaimas?

Não vou mais ocupar o tempo precioso de minha belíssima e única leitora. Escute minha boa amiga, esse textículo cínico e debochado, não é mais que mais um exemplo de um tipo de literatura onde a falta de criatividade se expõe em seu mais alto grau de inconsistência. Bem sabes que se me dou ao trabalho de escrevinhar essas mal traçadas linhas, é no único intuito de oferecer ao planeta minha mediocridade, que de tão grande, se perdeu no labirinto do tempo.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Vampira do ABC

Aproveitando O gancho do meu amigo careca, me vejo quase que na obrigação de falar na vampira de vermelho do ABC. O rabo da moça detonou uma histeria coletiva. A hipocrisia humana desconhece limites e esse episódio não passa de mais um retoque cruel na falsa moralidade cristã. O mesmo punheteiro consumidor de revistas, revista não, coisa muito antiquada, sítios de putaria é o mesmo que chamou a personagem em questão de piranha. A mesma menina de família, invejosa das formas voluptuosas da vampira, que a xingou, vai chupar o caralho do namorada enquanto ele pensa na rabuda de vermelho.

E o vestido nem era tão curto assim. Um tubinho propício a devaneios inconfessáveis e maravilhosos. Aliás, até me lembrou um catecismo do Carlos Zéfiro. Alcides Caminha é um dos maiores intelectuais dessa terra de Pindorama. Foi o primeiro a dizer em alto e bom som: a mulher não só goza como gosta, e muito. Por falar nisso, nunca vi expressões tão fora de propósito como as famosas vou comer, já comi, nunca comi uma bucetinha tão gostosa e por aí vai. Afinal, quem engole quem? Parto do princípio que comer implica em engolir. Diante disso é indubitável que são as mulheres as comedoras. Ou não somos literalmente deglutidos por uma caverna que Platão jamais ousou pensou haver tantas coisas entre o céu e a terra, ou melhror, entre a entrada e a saída.

Tá legal que a dita é a maior Raimunda, feia de cara boa de bunda. Mas daí a suscitar tamanho ódio. Se as universidades, as faculdades, os colégios de ensino médio fossem expulsar as ninfetinhas desfilando seus corpos esculturais em apertados vestidinhos, creio que teríamos uma academia feita apenas para os "machos". Seria preciso também censurar a globo, o sbt, a record, a playboy, a sexy, colocar cadeado em oitenta por cento das páginas dessa rede virtual e, sobretudo, apaziguar as mãos de adolescente ávidos por sexo.

Não me estendo mais, pois a página vai chegando ao final e é firme propósito do poupadordeporra, como ele me disse, manter o padrão de uma lauda para esses textículos. Sendo assim, rogo encarecidamente aos deuses que coloquem luz na cabeça desses obtusos senhores e senhoras da decência.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pateta

Acho que estou ficando velho. Vezes me pego naquela saudade do antanho, tão grande aos meus olhos infantis e tão pequena à minha vista míope. Fico pensando se não estou no time dos nostálgicos, daqueles que sonham com o passado de forma obsessiva. As retinas fixaram o tênis conga, cujo chulé era terrível, a vila sésamo, o sítio do pica-pau, o Emerson Fittipaldi, os noventa milhões em ação, que no meu modo de entender estavam mais parados que criadouro de mosquito da dengue. A memória viu o surgimento da televisão que precisava esquentar para "pegar", a consciência aflorou ao ver carros queimando de rodas para o ar, ao mirar fardas iradas perseguindo moscas indóceis e, finalmente, tomou juízo de sua careca, já no final da adolescência.

Não estou dizendo que estou saudoso... Brasília era uma fazenda sem porteira, sem arames e se respirava o ar pesado das casernas. Ficaram gravados para sempre o descampado destes horizontes, a largura das pistas, os belíssimos crepúsculos, a enorme melancolia das paisagens, como diria certo poeta recifense a propósito de Belo Horizonte. Sexta-feira era dia de vasculhar a cidade, sair por aí procurando festas pelas quadras. Mais tarde fui saber que era dia de fechar a Rua do Beirute. A truculência mais uma vez invadia a avenida e saia distribuindo saraivadas a esmo.

Sair atrás de uma festinha era o máximo. Nessa época não tinha interfone, muito menos vigias e as portarias viviam abertas. Era só ver umas luzes diferentes que já subíamos.

- Olha, é no quarto andar, na entrada do meio. Dizia um.

- Que nada! É na segunda portaria. Olha só as luzes, naturalmente estão na sala e, portanto, é a segunda entrada.

Lá íamos, sem nos importar em sermos mal recebidos, coisa que raramente acontecia. Foi em uma dessas festinhas de pré-adolescente que conheci aquela que eu poderia chamar de primeira namorada. Não obstante eu já ser meio escolado na putaria. Minha prima cuidou disso. Com dez anos já tinha o cabresto estourado. As punhetinhas que a safada me fazia eram indescritíveis. Acho que hoje ela seria processada por pedofilia. Ela nem sabe o bem que me fez. O pepino entortou desde cedo e é um de meus grandes companheiros até hoje. Graças ao chegado consegui mulheres que não me dariam a mínima em função de minha beleza. Cumpre dizer que sempre fui mais feio que mudança de pobre, mesmo no auge da adolescência.

Magro, tipo tuberculoso, careca, olhos embaçados, barriga sempre proeminente, mas senhor de um grande e robusto companheiro. Ágil nas curvas, pouco desgaste durante a viagem, profundo conhecedor dos caminhos e com certo ar abobalhado. Acho que isso inspirava confiança. Sabe como é... os patetas sempre são ignorados fora de sua função.

Isso ficou grande demais, melhor dar por terminada. Assim mesmo, repentinamente, contra todas regras da boa escrita. Fui.

domingo, 8 de novembro de 2009

O Convidado

Expor a fratura que dilacera meu ser? Jamais! Contar lorotas sérias? Talvez! Ocupar a mente em assuntos desinteressantes? Sempre! Os leitores do poupador hão de convir que a tarefa é ingrata. É como subir trinta andares de escada. Sempre chegaremos esbaforidos, doloridos e arrasados. Mas a gente tenta e lamenta o intuito não alcançado: o trigésimo andar. Apenas o cansaço por testemunha. Já o disse e repito: minha vida é destituída de qualquer curiosidade. Nada além do banal, do banalíssimo. Não tenho filhos nem amigos, moro só e meu cotidiano se repete como a pedra de Sísifo. Não há uma só novidade que possa ser dita.

Acordo todos os dias às cinco da manhã. Primeiro bato um papo cabeça com o celite boca larga, tomo um copo de água e os comprimidos impostos pela idade, molho as plantas, faço um café, fumo um cigarro e vou tomar banho. Higiene feita coloco a roupa surrada, fumo outro cigarro e vou para o ponto de ônibus. São sempre as mesmas pessoas, há quase trinta anos. Nunca falei com nenhuma delas. Aliás, minto. Uma única vez troquei sussurros com uma moça, até bonitinha. Note que são todos meus vizinhos, com a rotatividade que é inerente ao caso, todos me conheciam e eu conhecia todos. Éramos completos estranhos.

Chegando ao Plano, ia direto para minha sala. Sempre era o primeiro. A repartição só enchia por volta de nove horas. O momento de que eu mais gostava: a solidão do horizonte se enchendo de luz. De minha sala eu podia avistar o lago e isso me bastava. Uma vez quiseram me transferir para o subsolo. Não aceitei. Procurei o sindicato e não mexeram comigo. Ameacei processo por desvio de função, abri mão de cargo comissionado, mas nem isso me tiraram. Afinal eu era um dos poucos para exercer a função. Os outros estavam em cargos melhores e viriam para esse ministério sem força, mero bibelô, pingüim de geladeira, como os políticos diziam.

Sempre almoço só e não gosto que sentem em minha mesa, por isso procuro uma atrás da pilastra. Ninguém gosta de sentar lá, então fica sendo minha. A tarde é mais movimentada e a parte que menos me agrada. Todos os dias, mesmo que não haja quórum, vou ao congresso para encontrar chefes de gabinete, ou até mesmo o deputado ou senador, conforme for o caso. Simpatizei-me com um paraibano. Sujeito engraçado, contador de causos. Nunca soube seu nome, apenas que era paraibano, de Catulé do Rocha. Aliás, a Paraíba só tem cidade com nome engraçado. É Catolé do Rocha, Remígio, Bananeiras, Boqueirão dos Dantas, Lagoa Tapada e por aí vai.

Não vou mais torrar a paciência dos leitores, se é que eles existem, mas o poupador, de quem partiu o convite para esses rabiscos, me garantiu que são em número de milhares. Fico até envergonhado. Imagina... milhares de pessoas lendo o que eu escrevi.

sábado, 7 de novembro de 2009

Indulgência Pós Moderna

A memória é um enigma e possui significados estranhos. Vários escritores fazem da infância sua fonte. Desnecessário dizer que primordial. Ao contrário do que sugere o senso comum, a primeira idade não é feita só de paraísos, de coisas a serem feitas, mas há o lado obscuro, negro de um desconhecido nem sempre simpático. A sensação de volumes imensos te oprimindo, a leve percepção dos passarinhos e o corcunda da esquina te espreitando, todos estão presentes no alvorecer do ser.

Eu particularmente sou um desmemoriado. Tudo se confunde em borrões não definidos, como se fosse um míope sem óculos. Até o que aconteceu ontem me é estranho. Não fixo absolutamente nada. Vivo o dia como se fosse um rio a me levar, sempre na espreita de mais uma cachoeira. Acho até estranho que os escribas tenham retido em suas mentes todas as impressões de coisas que aconteceram há tempos. Cada cena carrega uma série de odores, sensações táteis, visões, imprevistos, sutilezas que só uma memória prodigiosa poderia se lembrar. Por isso fico com o essencial, aquilo que não desgrudou mais de minha existência. Como, por exemplo, o hábito de estar sempre só.

Bem sei que sou benevolente, diria até indulgente com minha amnésia absoluta. Seria um completo fracasso como memorialista, até porque a digitação sai solta, sem revisão e sem pretensão. Ou como diria certo bruxo carioca: vão aqui reunidas narrativas escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor.

Dessa maneira, bem ao sabor do tempo perdido, rasgo a lembrança e me lanço na aventura do desconhecido. Embarco em uma nau onde a surpresa é a onda, nada de panorâmicas em um passado que não há mais, a não ser na memória imprecisa e cabotina de um narrador qualquer. Tenho por mim a efemeridade como tal, ou não sou um sujeito do pós moderno? Praticamente nasci com o dito, sendo ele um pouquinho mais velho que eu.

Sendo assim, coloco ponto final em mais um textículo tosco, mal ajambrado e que certamente não irá agradar ao meu cioso leitor e minha adorável leitora.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Maratona Etílica I

Às três da madrugada, depois de longo périplo pelas quebradas dos botecos, deitei-me. Durante o dia estive na catrevagem, dando início a maratona etílica. Meu horário sempre foi o de um profissional cioso de seus afazeres. Os ponteiros não mostravam mais que nove horas e um quarto da manhã. Lá estava eu bravamente postado no balcão, já que os companheiros de jornada tardavam, conversando com o Afrosinésio, dono do estabelecimento.

- Afro, anda logo com essa porra aí que já estou com síndrome de abstinência. Ó pá cá, ó. Tudo tremendo.

Convém deixar claro logo de cara que o capiau era mais negro que asa de tiziu e ostentava um corpanzil nada desprezível. Um verdadeiro armário de seis portas.

- Calma rapá! E afro é a puta que te pariu. Afrosinésio pra cabra safado como tu.

- Porra, já vi que brochou. A patroa não compareceu, né meu camarada?

- Lasquera, hora dessa da manhã e já agüentando manguaça.

- Que isso Afro, cê sabe que você é meu e boi não lambe.

- Mudando de pau pra cacete. Ontem teve a maior zica aqui no buteco. Neguinho tá a fim de pegar o professor.

- Professor de merda nenhuma! O cara é uma anta e já tá mais que na hora de correr com ele daqui. Até jogo lenha na fogueira se preciso for.

- Dessa vez o cara provocou o ceará e o bicho ficou danado. Jurou ele. Rapá, o cara é bruto que só a porra. Se eu fosse o professor caçava beco ligero.

- Afro deixa essa porra pra lá que isso não me diz respeito e me diz se aquela gata lembra? A de quinta-feira. Ela deu os ares daquela bunda maravilhosa por aqui de novo? Cê viu só? A puta me deu o maior mole, me agarrou, me beijou, pegou na minha pica e na hora do vamo vê deu na carreira. Porra fiquei puto. Nem o telefone quis me dar. De pau na mão, na maior covardia e sem telefone. Não me deu nada. Mas ela volta, eu sei.

- É, essa foi foda. A moçada já tava sacaneando, rolou até uma aposta se era pra viagem ou se ia comer aqui.

- Bem que eu tentei, mas ela não quis. Argumentei que a mesinha era ideal. Escondida, ninguém ia ver. E eu sabendo que todo mundo já tava de olho. Queria mesmo é ter dado um espetáculo pra esses punheteiros desses seus clientes.

- Meus clientes e seus amigos.

Nisso chegou o primeiro representante da trupe e nos sentamos. Mas isso já é outra estória.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Olhos de Lince

Morreu depois de cem anos um autor que foi fundamental em minha visão de mundo. Minha Vó quase alcançou seu feito, mas assim como você, me deixou lembranças e palavras doces. Foi-se o corpo Lévi-Strauss. Difícil defini-lo. Antropólogo? Filosofo? O que seria o esmiuçador da cultura humana? Algo indefinível como uma canção reverberando no ar. Não quero lembrar do acadêmico, recordo apenas do homem sensível aos outros, ao diferente humano. Compreensão é uma coisa que está faltando ao ser pós moderno. Nesse tempo difuso o próprio umbigo passou a ser referência de tudo. Também pudera. Com tantos compromissos já nos esquecemos dos familiares, dos amigos. O que dirá do desconhecido que passa por mim olhando o chão, como se eu fosse um alienígena e o pior é que nada fazemos para destinar um pouquinho só de atenção a quem quer que seja.

Não enxergar meu vizinho se tornou a própria visão. Eis que sua grande lição perde força no torvelinho de tempos imprecisos, indefinível em seu aspecto torpe, vil, não no sentido da impossibilidade de se estabelecer parâmetros para coisas tão vastas como é sua obra. Não tenho a intenção de tecer loas ao cosmopolita que foi você. Bélgica, França, São Paulo, Goiás são paisagens insuficientes diante do vasto mundo, como dizia certo poeta mineiro. Um século! Simbologia simpática das ironias históricas. Tanto ao seu gosto se crava um símbolo em sua vida. Afinal, trata-se de uma existência longa, de olhos que presenciaram mudanças substanciais, de tantas e tantas mudanças.

Sendo assim, vamos dando por terminada essas exéquias simplórias, sem o talento verdejante de sua escrita. Meus olhos míopes jamais seriam os de um lince e sou um péssimo jogador de xadrez. Minhas primeiras jogadas, da mesma maneira que as últimas são pobres de raciocínio e toscas em sua estrutura.