segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Yorkshire e a Enfermeira.

Houve uma coisa que fez tremer a sociedade, mais do que os movimentos populares; o assassinato da cachorrinha de Formosa. Para mim foi curioso perceber a fúria da horda quando as imagens em movimento despertaram ao clarão desse veículo pós-moderno; era o ápice da indignação mostrando seus caninos afiados, como uma reação extemporânea do animal em questão.

Não falo do enforcamento, ordenado pela barbárie dos julgamentos precipitados. Aquilo que foi dito na rede e nos veículos de comunicação a respeito da condenação trouxe naturalmente a cor alegre que isso tipo de reação empresta a todos os assuntos onde a turba ensandecida se esquece de sua razão. Eu, se fosse autoridade de Pindorama, também condenaria a enfermeira, não por ser uma louca, mas por ser enfermeira. Execraram a mulher, e não há de ser a simples notícia de uma abominação que fará com que percamos o sono nem o apetite. A simples descrição dos fatos não seria suficiente para arrepiar os pelos, as metáforas não descrevem nada, as figuras de linguagem nada revelam, mas as patas trêmulas da yorkshire foi o espetáculo de que necessitávamos.

Quanto ao crime que levou a enfermeira goiana ao cadafalso social, não é o que mais me abate e entristece. Dizem que impingiu enormes danos ao caráter de sua filha, testemunha ocular da história. Compreendo que a matassem por isso. É um crime hediondo, naturalmente; mas há outros tão ou mais repulsivos. Ademais, pode ser que a enfermeira quisesse explicar à sociedade como a memória inicial era fugidia, cientificamente falando. Pegou de um pequeno exemplar canídeo e o abateu. Os espectadores, sem saber a diferença entre o experimentalismo científico e o vulgar, pediram explicações; a enfermeira pegou outro exemplar e repetiu o experimento. Os nativos, não tendo a fineza intelectual de um Schopenhauer, continuaram sem entender patavina, e a enfermeira continuou matando os dóceis cachorrinhos. É o que em pedagogia se chama lição das cousas.

Desta maneira, com uma substancial ajuda do bruxo do Cosme Velho, acabou uma semana tristíssima para a música, para o teatro e para o carnaval, mas para a sanha de redenção de uma sociedade podre com enorme alegria, pois mais um símbolo foi eleito para expiar sua culpa.