Quantas vezes, sonhando acordado, não estive com o pensamento longe de mim. Felizmente para minha reputação de racionalista, uma imensa cortina de exotismo também me revestia e possibilitava que a altura de minhas muralhas jamais fosse escalada. Sendo assim minha soberba continuava inatingível, profundezas marítimas de uma personagem grave, de uma sisudez contida. Talvez fosse um início para esse escriba.
Era uma dessas pessoas que, a despeito de uma carreira brilhante, possuía uma vasta e ampla cultura, não servindo absolutamente nada para o exercício de seu ofício, mas era o fio condutor de sua conversa leve e repleta de sabedoria. Mais letrado que muitos ditos escritores – eu não sabia naquela época de sua reputação como literato – possuía o encanto da "ignorância" infantil. Poderia ser outro começo para certo francês.
A cidadezinha de Santa Lagoa Tapada de Nossa Senhora é um desses brincos que se escondem no interior e pode ser considerada uma das mais bonitas da região. Suas casas coloridas perfilavam ao longo da larga rua central emoldurada ao fundo por uma igreja branca com duas torres pontiagudas em suas laterais. O riacho Sombrinha Boa correndo atrás e ao largo dava ao lugarejo o toque final do bucolismo. Seria princípio diverso para um grenobliano.
A Catrevagem era um bar na quadra de nossa cidade. Era lá que nos encontrávamos todo final de tarde para jogar uma conversa fora em doses generosas, salpicadas de bolinhos, pastéis e toda sorte de quitutes feitos pelo proprietário. Era praticamente nossa segunda casa, para uns e outros a única. Cada canto, cada coisa, cada copo nos era bastante familiar e tínhamos um enorme prazer em estar ali. Salustiano, um cearense com pouco mais que trinta anos, era o dono. Talvez uma solução inicial para meu conterrâneo.
Os inícios são muitos e o fim pouco.