De certa feita dei com as fuças em uma cidadezinha onde se preparava um festejo. Se quer ouvir, narro-lhe; não um feito, mas especulações. Cidade limpa, passada e exata para o evento. Eu estava chegando, o arraial todo tranqüilo. Parei-me à porta da estação. Observei a praça da matriz engalanada, ainda calma. Afinal, o que eu viera fazer aqui? Nem eu mesmo sabia. Uma atração irrestistível se apoderou de mim desde o dia em que assisti um documentário sobre essa cidade. Não tinha nenhum projeto em mente, apenas uma correnteza violenta me arrastando para essa terra perdida no meio do nada.
E foi assim que entrei em um lugar esquecido nos confins do tempo. Me lembrei imediatamente do Junco, "lugarejo de sopapo, caibro, telha e cal". Minha vida mudaria radicalmente. Ao avistar a santa, a multidão começou a gritar, admirando a sua beleza. As formigas cantavam em seu louvor; os pássaros cantaram, as pedras rolaram ressoando uma canção, os mortos voltaram a viver, espíritos foram vistos e dois cães uivaram simultâneamente. Tudo isso que foi mencionado é o povo da cidadezinha, que se tornou visível quando de minha chegada, o "seu filho" testemunhando a posição suprema do canto, da dança e da poesia na celebração de chegada.
Seria uma reedição do capitão Cook? Suposição tola e pretensiosa. Nada que lembre os cânticos de vênus havaianos. A flor que desejo trançar e amarrar não é a mesma que se apodera de meu corpo. Não é o poder da paz e relaxamento proporcionado pelo líquido jorrando no penhasco. É a simples evidência de minha fuga gerando um cenário tosco, feito de papelão usado. A porção mítica, coisa naturalmente inquietante, desaparecida em mim, aflorou de sopetão. Ao me deparar com todo aquele arsenal festivo dei-me conta de minhas raízes superficiais, não que elas sejam rasteiras. As raízes de um ficus, minha vó chama de gameleira, arrasa tudo em volta, embora estejam expostas às intempéries.
Como um deus invasor instalei-me a cerca de hora e meia a pé, necessário dizer que ando rápido. Comprei um belo pedaço de terra e tive a certeza que jamais sairia dali. De início recluso, quase ermitão, aos poucos fui fazendo amizade com o povo da terra. Naturalmente o primeiro foi meu vizinho Adão. Fazendo divisa comigo pelo lado leste todinho, era um sujeito preocupado com a nascente, justamente incrustada em minha propriedade. Não havia motivo para preocupações. Eu não mexeria em nada. Tinha dinheiro o suficiente para não ter que comercializar, não plantaria uma mandioca sequer. O que já não é mais poupação de porra e sim seca total. Apenas recuperaria um trecho degrado e plantaria umas árvores frutíferas que não tinham ali. A fazenda estava bem cuidada, não havia necessidade de se mexer muito. Lembrei-me de meu avô. Será que o velho concordaria com isso? Não teria sido melhor voltar para a fazenda? Na verdade eu sei a resposta. Mas ele há de compreender minha decisão.
Estranhamente, a primeira vez na cidade, depois de minha mudança definitiva, tive uma sensação desconfortável, oposta a de minha chegada. A placidez foi substituida por um alvoroço violento. Recém-chegado, um grupo gritava no único bar. Seria bom notar a ausência da duplicidade. Apenas um açougue, uma farmácia, um médico, um palhaço, um escritor, um professor. Tudo um. Onde eu me encaixaria nisso? Se é que haveria um espaço para mim nesta cena. Um pequeno grupo olhava curioso aquelas pessoas esquisitas, barulhentas, sem modos. Vagarosamente o grupo foi aumentando ao ponto de todos habitantes da cidade estarem olhando fixamente para os estrangeiros. O grupo vagarosamente diminuiu o tom das brincadeiras jocosas, silenciou e, finalmente, foi embora sem falar nada.