quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Toque

Conhece a arguta leitora um livro do célebre David Zimmer, romancista estadunidense, intitulado The Silent World of Hector Mann? Machadianamente vou supor que não, pois só assim posso deitar tecla ação; separado mesmo, mas poderia ser junto, ou nega ação, ou, quem sabe, negação, ou outra coisa qualquer; nesse teclado. Eu, se tivesse crédito na praça, como se dizia antigamente, teria feito um filme mudo. Temo errar, mas creio ter o tema e o conhecimento necessários para as formalidades do estilo.

Ainda ontem, lendo no jornal; ainda sujo minhas mãos com tinta; o assassinato de mais uma ex-esposa, pensei nas distinções e interações entre a passionalidade irracional e a deliberada passionalidade. O que separa essa última da primeira, onde a fronteira entre o bandido e o animal? Eu, de minha parte, não tenho posicionamento. Não por indiferença ou desinformação. Veja minha única leitora, a diferença entre um homem excessivo, tomado pela fúria da sensualidade, inconsciente de seu estado e o mísero e ignóbil ser de um reino obscuro, não é a mesma de um Dimitri para um Smerdiakov. Rogarei, todavia, à minha delicada leitora que não se apresse em tirar conclusões.

No momento o interesse é ocupar-me em assuntos que necessitam de olhos sagazes. Não que eu os tenha, mas preciso exercitar a pouca visão. O que não chego a compreender é como a indústria de horrores do espetáculo humano consegue banalizar o banal. Não é novidade para ninguém, que esses crimes se avolumam, sobretudo na capital. Contudo, em São Paulo dá-se o mesmo, porém com um aspecto peculiar: a indiferença. Seria diferente em Salvador? A mesma coisa em Belém? Pensas, então, que, se eu tivesse de explicar-me, defenderia alguma posição? Já o disse: não tenho posicionamento. Em ocasiões anteriores já afirmei que não procuro razões, não clarifico. Está bem, então lá vai uma ou mais palavras.

Penosamente carrego uma pálida imagem de mim mesmo. Ao sentir como o ser humano é capaz das mais baixas vilezas, tomo consciência de minha ingenuidade e me vergo ao destino cruel. Vagarosamente passo em caminhos difusos, voláteis demais para um café, um chá, uma prosa. A rapidez da lebre e a cupidez da ignorância, eis aí a semente do tempo presente. Não se faça de rogada. Pode sair. Afinal, nada mais simples que um toque.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Leituras

Na crônica anterior, já lá se vai um bom tempo, rocei em um livro que é parte de mim, grudou feito baba de moça. Faço questão de assegurar que não há na temática nenhuma novidade e o calhamaço é difícil de ser transposto impunemente. Como já disse reiteradas vezes, não tenho a intenção de escrever sobre mim. Ao me auto referenciar e deixar a conhecer minhas leituras, antes de iniciar meu textículo, nada mais faço que suscitar dúvidas no espírito de meu par de leitores, que já sabe que não está em boas mãos. Quer dizer, se eu, em função de ser o moinho desse parafuso, sou a única pessoa, mesmo considerando não ser a mais indicada para tal tarefa, a manter o giro do parafuso, me é lícito cantar o que quer que seja.

A lenda usada remonta de priscas eras e sua origem se perde nos meandros irônicos da história. Alguns a dão como da baixa Idade Média, outros não ousam afirmar nada, o que é definitivamente meu caso, e tantos outros a dão como do período micênico. Aliás, arrisco a dizer que a ânsia da criação é movida por personagens como Urutú-Branco, Fausto, Adrian Leverkühn e uma míriade mais. Qual criador não deseja a obra perfeita? A musa irretocada, iluminada pelo belo? Seja lá isso o que for. Indubitavelmente, o artista corre atrás do que confere sentido ao mundo difuso da realidade, da parca rama de luz clareando caminhos. Forjando bronze, lascando pedra, amassando barro, esculpindo sons, tecendo bordados vai delineando seu louco imaginário.

As profundezas da alma... essas são impenetráveis aos olhos alheios. Então falo do miúdo, do comezinho diário de nosso labirinto humano. Permita-me ilustre leitor, que eu, um de seus admiradores mais humilde, chame sua atenção para um fato ao qual já me referi aqui. Dá-se que o ser que ama o belo e aprecia as grandes vozes "não tem orelhas para crônicas, nem outras cousas ínfimas". Como diria nosso sempre citado bruxo. O que me leva a constatar um grande esquecimento. Sequer uma única vez rocei nossa bruxa ucraniana. Fico em falta, devendo um sopro de vida em minha cidade sitiada. Mas, de toda forma, minha única leitora há de reconhecer que sou um servo fiel de Santa Clarice.

"Quando a gente lê por olhos estranhos, entende mal as cousas". É disto que falo: da segunda mão, a informação via terceiros, a leitura da leitura, o engravidar pelo ouvido. A construção enfadonha de um saber amassado pelo vício, pela vegetação rasteira. Sejamos justos. Nada mais faço que dar voltas em parafuso espanado, não há nada mais falho. É certo que assumo, confesso mesmo, minha falta de criatividade. Mas no meio destes senões, entendam bem, resta ainda um fato importante: o textículo saiu e ejaculou profusamente.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O Diabo Veste Dior

Minha gentileza pertubadora fez com que eu entrasse no inferno. Fui eu mesmo que decidi me apartar da vida e enclausurar-me no além, no reino das sombras e da morte. De certa maneira invoquei e desejei essa solidão. Essas frases possuem seu prestígio, infundem mesmo um certo toque filosófico, meio Eurídice. Em geral o destino dessa personagem depende de sua contrafeição: Orfeu. No meu caso não. Apenas me apego à mãe das Musas. A memória, ao me proteger do esquecimento e do nada, torna-se minha guardiã, minha doce cidadela onde repousar os medos. Em particular aquele que traz uma certa satisfação, ficando, ainda por um tempo, suspenso em nossas retinas.

Não que eu seja um tipo insensível ao amor, minha encantadora leitora, mas sinto um certo rebuliço histérico na busca desenfreada, seja do que for. À primeira vista, isso pode parecer radical, mas como se sabe, o nosso tempo está envolvido pela qualidade de vida. É o jargão do momento. Felicidade, satisfação própria, culto da juventude, velhice sadia, alimentação saudável, nada de drogas, de qualquer tipo que seja, enfim, estamos submetidos ao mais variado cardápio de normas idiotas metendo o bedelho em nossas vidas. Nosso bom baiano, na qualidade de residente, contibuinte e eleitor da inigualável cidade do Rio de Janeiro, como ele nos diz, sente na pele o que é ser coroa municipal, acrescento, me lembrando de Chico, federal.

Bem, voltemos ao caso da morte dupla. Meu canto, embora parecido com o de Orfeu, ao tanger acordes tristonhos e banhar as faces divinas de lágrimas, não busca absolutamente nada. Não há uma Dulcinéia, ou Eurídice, ou Beatriz. Decidamente não há um objetivo claro, um ponto de vista ou algo que o valha. De certa maneira levo vantagem, já que não ter impossibilita a perda e olhar para trás é mais que natural. Já disse que a memória é minha guardiã, portanto, vivo virando os olhos. A miragem de Eurídice não se impõe e posso continuar indo por aí, cantando a tristeza inútil de um ambiente devastado.

Ouço o rufar constante de um tímpano a dizer: Lasciate ogne speranza, voi ch´intrate. Badalos seculares de uma ladainha antiga e viciada. O parafuso dá muitas voltas. Nem sei ao menos como fui parar em Dante. Caminhos sinuosos de uma mente vadia, vazia de cartesianismo. Com efeito, os manuais de redação não servem para minha louca peregrinação em torno do nada. Faço tudo ao contrário e tenho plena convicção que serei reprovado em qualquer concurso. A receita de bolo fala em simplicidade e naturalidade. Eu crio densas névoas e estou escrevendo, não falando. Prefira frases curtas e em ordem direta, reza a cartilha da norma culta. Mas eu continuo me atrapalhando com a pontuação. Escreva parágrafos com tópico frasal e desenvolvimento, mais um axioma da bela escrita. Prefiro a frase inicial áspera, cortante e nada de atraente. Afinal, não sou jornalista.

Arre! Estou farto da medíocridade. As pílulas do êxito, da felicidade imemorial estão à venda nas melhores lojas do ramo, diria um reclame publicitário de antanho. E nem é mais preciso um Adrian Leverkühn. O diabo veste Dior em belas luzes coloridas hipnotizando a patuléia.