quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Excomungado

Minha única leitora já deve ter percebido que não sou muito dado às coisas cristãs. Não considero a confissão – aliás, não gosto nem um pouco da literatura confessional – um grande sacramento diante do qual eu necessite prosternar-me. A imortalidade da alma não faz parte de meus anseios, o amor que age em mim é contemplativo, tem necessidade de realização imediata e, finalmente, a sensualidade em mim beira o frenesi. Por tudo isso, minha caríssima, é que não me considero a pessoa mais adequada para emitir juízos sobre o cristianismo.

Antevendo um sorriso de condescendência em seus lábios, apresso-me a confessar que sinto um desprezo indizível na promessa do futuro. Esse é o país do futuro, já dizia um velho reclame de tempos funestos. Não justifico minha conduta, mas publicamente admito ser o palhaço de uma comédia indigna. Oferecendo o derradeiro ato da representação as imagens revelam velhas frases, gestos gastos, inflexões inexpressivas e, sobretudo, a vetusta hipocrisia. O coração atormentado e invejoso se envergonha de sua cólera, se esconde de sua mentira e busca, incessantemente, uma verdade para si. A mentira, para esses seres, é incompatível com o respeito de si e dos outros.

Eu não passo de uma farsa. Escuto minha própria mentira ao ponto de não saber mais se sonho uma realidade ou se a realidade é um sonho, se sou uma personagem ou se, malgrado minhas pilhérias patéticas, sou apenas absurdo. A comédia humana se desenrola, ou melhor, se arrasta em um único texto oscilando entre a busca de plus de noblesse que de sincérité ou o contrário, mais sinceridade que nobreza. Acho que já disse isso em crônica anterior. Na verdade, vivo a mesma repetição do mesmo discurso.

Bem sei que as pessoas da sociedade, sensíveis, virtuosas, com domínio de si mesmo, humildes e de almas luminosas, torcerção o nariz para essa narrativa vulgar. A simples polidez seria suficiente para que a antipatia suscitada por esse textículo fosse soterrada. Vã suposição. Como já disse, o que você tem diante de si é um palhaço representando inconscientemente uma comédia indigna. Sabe a senhora, santíssima leitora, como me apresento dinte do trono? Pelado com a mão no bolso.

É nesses momentos que vejo como minhas zombarias não funcionam. Sobrevivo pelo fato de ainda existir uma leitora delicada que vai até o fim, curiosa com fatos banais e não com grandes acontecimentos históricos. Vês, como sou tolo? Pois bem, eu, eu não sei ainda e não posso compreender, mas não passo de um amador em busca de anedotas, recortador de jornais e escrivão de fatos alheios. Nada disso importa. Se escrevo, não vejo. Se vejo, não escrevo. Desculpe-me, atrapalhei-me, mas a senhora compreende... vejo pelos seus olhos que a senhora compreendeu... porque nutro um nobre sentimento para quem suporta essa fala extravagante e você é a única.

PS: o poupadordeporra ficará ausente por três dias. Coisa irrelevante, já que meu objetivo de uma crônica diária foi para o espaço há muito e minha única leitora não irá se desesperar por coisa de tão pouca monta. É só, fui.

Um comentário:

Unknown disse...

Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.
Ricardo Reis