domingo, 17 de agosto de 2008

Menestrel dos mares

Assim que terminei de postar a crônica de ontem, sábado, tive a notícia da morte de Dorival Caymmi. Não estava a fim de parar as impressoras virtuais e deixei para hoje falar do menestrel dos mares. O cancioneiro brasileiro está de luto e perde um de seus maiores símbolos, a fala doce do mar emudeceu. Naquele balanço, naquele vai e vem hiptnotizador, se revelava a harmonia tirada do mangue, dos baixios exalando vida. Embora Salvador não seja Recife, acho que a imagem cabe.

Falar desse soteropolitano sem imaginar uma puxada de rede, um coqueiro gigante dançando com o vento, uma lambida sensual da onda na areia é o mesmo que ter diante de si o horizonte, na perspectiva insinuada em crônica anterior. Os tambores da Bahia atacam um rito nobre, altivo. Dão notícias do espírito que vai, anunciam Iemanjá trazendo seu filho dileto, o velador de velejadores. É preciso que se convoque a negra e suas ervas, pois o poeta vai tomar uma buginginha em outros terreiros. O toque da devoção abre a festa, as danças tomam conta e o que importa é ver os afoxés nos dias de vadiação, no tempo de se brincar com os orixás, já diria nosso trovador sem tirar os olhos das moças de saia.

Lembro nitidamente a primeira vez que fui à Salvador. Tinha dezoito anos e descobri um mundo encantado. Me deparei com fatos mágicos, lindos para meus olhos adolescentes e que acabaram se tornando simbólicos em mim. Como naquele dia em que conhecemos, eu e o Lago, já falei dele aqui, quatro lindas morenas e dois caras sensacionais, infelizmente não lembro os nomes. Talvez seja melhor assim, conserva o ar misterioso. Mas para facilitar a vida de meu único leitor darei nomes fictícios.

Estávamos duro e matando tatu a unha. Nossa única possibilidade de renda era meus livrinhos, o primeiro. O jeito fui ir à luta e tentar vender o dito, de mão em mão, como era costume por essa época. Já falei antes de como meus linvrinhos salvaram situações de extrema penúria pecuniária. Pois essa foi uma delas. Havia um show, também não lembro de quem, tudo envolto em névoas que apenas insinuam, no Teatro Castro Alves. Não havia lugar melhor para iniciar a árdua tarefa de angariar algum. Graças aos deuses os livrinhos estavam saindo, a fila imensa facilitava o trabaho, e o bolsinho mal amado enchendo. Foi quando me deparei com o grupo que teria enorme influência em minha vida.

Fiquei apaixonada de cara pela Renata. Na adolescência a gente se apaixona com uma facilidade incrível, tudo é motivo para se embevecer. Linda em sua atitude de entrega, em seu sorriso largo, amplo como o horizonte do cerrado. Suas coxas torneadas pelas mãos de um artifície eram um convite ao prazer mais desmedido. Cheguei com aquela conversinha mole de vendedor, prontamente desarmada pela Renata. O que só fez aumentar meu desejo. Eles só tinham dinheiro para o show. Dei um exemplar para cada um. Esquecemos de vender livros e ficamos conversando com eles até a hora de entrarem. Não sei ao certo até hoje a razão pela qual não entrei com eles. Acho que a pataca falou mais alto, a maré não estava pra peixe.

Fiquei perdido, marinheiro sem bússola numa noite mais negra que tiziu. Achei que tinha perdido ela pra sempre. A solução foi voltar a vender os livrinhos. Vendemos bem e solucionamos nossa miséria material. Cedeu lugar para uma outra: a angústia do sentimento de perda. Não esqueci o grupo, principalmente Renata. Encheu o saco ficar de conversinha e já tinhamos grana suficiente para voltamos para casa. Chega, aos trabalhos. Sentamos em um bar situado na lateral do teatro e tomamos algumas, fizemos amizade com umas pessoas e fomos embora.

Para felicidade geral do meu ser, ao passarmos em frente do teatro encontramos o grupo saindo do show. Uma felicidade invadiu minha alma embriagada e o mundo girou. Mas essa fica para amanhã, pois essa crônica vai ficar grande os prêambulos são fundamentais para explicar o fascínio que senti ao conhecer a música do menestrel dos mares.

2 comentários:

Unknown disse...

Então, espero pela de amanhã!

poupadordeporra disse...

Terei imenso prazer em satisfazer sua espera que não é maior que a minha.