quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Lobo Siberiano.

No tempo dessa estória, com vinte e oito anos, meus olhos verdes miravam a alegre zombaria. Em Salvador, para onde assuntos de vadiagem me levaram, vi, à esquerda, no meio da rua chile, cercado de membros do ilê, meu amigo Cricket, coberto pela barba ruiva conversava animadamente com o grupo. Enquanto me aproximava, a idéia de encontrá-lo se tornava embaçada. Todo encontro é uma festa de dias, ainda mais em Salvador. Comentei comigo mesmo: "É uma temeridade. Porra nenhuma! Tô aqui prá isso mesmo". Acelerei meus passos e fui rumo ao desconhecido já sabido.

Eu já estava me sentido meio lobo siberiano. Assim, meio Enrique Rivero Puig, personagem de Adolfo Bioy Casares que é o símbolo cabal da "solidão" e da "voracidade". O que me diferenciava de Rivero é que eu não estava caçando um trófeu para exibir na mesa do clube. Por acaso, ou predestinação, como queira, ao chegar já bem perto do meu amigo esbarrei em uma bela morena. Doce e delicada como a brisa do mar trajava uma saia levíssima um pouco acima do joelho, uma bata branca de manga curta com um generoso decote de ombro a ombro e uma sándalia de couro comprada ali mesmo, no mercado modelo. Aliás, tudo parecia saido de lá.

Timidamente me pediu desculpa e saiu apressadamente. Não pensei duas vezes, meus pés fizeram um rodopio rápido e decididamente caminhei até ela. Deixei para trás as promessas de verdadeiros festins com meu amigo farrista. Herdara isso da família. Tudo era motivo para festejar. Alcançando a morena me vi meio tonto, sem saber o que falar. Falei uma idiotice qualquer. Inacreditavelmente funcionou. Ela só precisava passar em casa para dar um recado para a mãe. Morava lá embaixo do pelourinho, à direita, entrando naqueles labirintos fantásticos.

- Onde vamos?

- Não sei, escolhe você.

- Eu... Não seria melhor você? Você, como se diz, é nativa, eu não passo de um "paulista".

- Você parece que conhece a cidade, então deve de saber algum lugar.

Fiquei impressionado com a morena. Como ela notou? De fato, havia morado em Salvador por cinco anos. Anos vadios, deliciosos e educativos. Já que estava em minhas mãos, escolhi Massarandupió. Poderíamos dormir em Conde. Ela não conhecia. Aluguei um carro e lá fomos nós "greenline" afora. Decididamente eu havia tomado a atitude certa ao deixar o Cricket prá lá. Ela era um encanto, suave como o cheiro de um jasmim. Seu sorriso era franco, de um branco límpido colorindo seus olhos pretos, sua pele tostada pela língua do sol, sua, por quê não, sua puerilidade. Uma ingenuidade pura, não afetada, além de atitudes e gestos mostrando um temperamento essencialmente feminino.

Repentinamente me peguei em ritmo de confidências comigo mesmo. Ela notou. Por minha vez, notei sua perspicácia e sensibilidade. Começava a soprar em minha cabeça uma idéia fixa. Seria ela a minha deusa, aquela todinha minha, artíficie de meu feitio? Bobagens, essas coisas não existem. Só em literatura e cabeças adolescentes". Algo me impelia a saber dela, indagar desejos, sonhos. Eu nunca havia feito isso antes, não me interessava por nada que minhas namoradas faziam fizeram ou fariam. Mas ela... ela era linda, de uma beleza peculiar, estranha e maravilhosa.

Sei não... acho que minhas férias, ou terminam por aqui, ou serão mais longas que o pensado e planejado.

Nenhum comentário: