sábado, 16 de agosto de 2008

Sábado

Sábado é um dia único, singular. Trata-se de um dia onde as promessas semanais se revelam, se mostram límpidas diante de nossa mais terna intenção. É um dia em que as pessoas se tornam excessivas. Ou tristes, ou alegres. Ele se sentiu triste. Como fazia todo sábado, saiu cedo para dar sua volta habitual na cidade. Olhou tudo. Os carros, as moças, escutou vozes, viu brigas, carinhos, um mendigo escovando os dentes, enfim, a pulsação humana entrou em suas retinas e tímpanos.

Não sei ao certo como o processo se desencadeou. Foi de inopino, ligeiro como um tigre de veludo. Tudo feito conforme o hábito longamente cultivado, nada fora do lugar. Um caminho sabido e palmilhado de cor. Apenas o inusitado e esse foi fundamental. É como aquela velha estória da frase despreocupada que traz em si a sinopse do destino. Nesse sábado algo o pertubou. Saíra, como de costume, elaborando toda trajetória do dia, percusso esse já sabido desde as calendas gregas. Primeiro o passeio, depois o banho, a cerveja solitária, o sono e a noite... A dolorosa roda quase imóvel do tempo.

O planejamento da manhã foi feito sem sobressaltos e tudo parecia caminhar para mais um dia como os demais. Após o banho, inexplicavelmente não fez a barba. Estava se sentindo descompensado e com uma tristeza diferente, mais branda que o de costume. Não bastasse não ter feito a barba, ainda colocou uma bermuda. A correnteza se precipitava. Atos improvisados dando o tom da cena. O palco, sob uma mórbida aparência de limpeza, se postava vazio diante de seus olhos. Nada mais inútil que um tablado e uma platéia sem representação.

Finalmente saiu. Ao colocar os pés nas ruas sentiu um arrepio atrás do pescoço ao mesmo tempo em que avistou um cachorro fuçando uma lata de lixo. Instintivamente levou a mão ao pescoço enquanto observava o cão com tenacidade. Assoviou chamando o vira-latas que não lhe deu a mínima. Inútil dissimular a tristeza que invade o silêncio da resposta. Não há explicação para a dor que veio e ficou, como relíquia preciosa de escavações profundas. Caminhou lentamente até o bar, onde se sentou na mesa de costume.

Parecia retomar em suas mãos o destino. Ao menos a mesa era a de sempre. A cerveja gelada desceu quadrada, fel amargando a alma. Notou o cão deitado na porta do bar. "Eu até poderia ficar com esse cãozinho. Mas como? Fico o dia todo fora, como vou cuidar dele? Não, essa é uma idéia estúpida. Tadinho, todo sarnento. Seria bom ter um animal para me fazer companhia. A casa é minha, moro sozinho, o quintal é grande e ele teria bastante espaço. Acho que vou ficar com ele". Decidiu resolutamente.

Pagou a cerveja e foi embora. Ao passar pelo ser canino assoviou e desta vez foi atendindo. Foram os dois em perfeita sintonia, naquele íntimo entendimento prescindindo de palavras. Cada qual ao seu modo rompeu com um passado próximo, um momento de fissura brusca, sem negociações, sem diálogos, sem apropriações, sem representações. A digna e repentina consciência da vida lhe restituiu um vigor perdido há tempo. "Decididamente não irei apodrecer em gestos repetidos, em atos sem ações, na exasperante reiteração do mesmo".

Sábado é realmente um dia único, de resoluções enfáticas e redentoras. O diabo é que se você sobreviver ao final de semana, tem sempre a ressaca de quinta grandeza na segunda. Um brinde e até lá.

2 comentários:

Unknown disse...

Bonita, essa crônica. Mas triste. O meu sábado foi mais divertido.

poupadordeporra disse...

O meu também. rsss.