domingo, 10 de agosto de 2008

No meio do quarto

Meu reino é sombrio. Paira trevas nesse quarto. Nada se divisa e tudo é envolto em densas névoas negras. As mínimas coisas tomam contornos indefinidos, se tornam espectros imensos em sua insignificância. Tempo de mirar a cortina de água que desce da terra, do âmago, das profundezas de uma angústia atroz. Quanta brutalidade nesse império cruel, nessa longa noite sem fim. A madrugada não passa de uma mera ilusão de quem anseia a manhã.

Inelutável, as barras do tição rompe a aurora, despudora a luz que não vem. Sonho claro, mera quimera desta galera. É tempo de mirar a janela fechada, a fachada apagada e a pura solidão. Silêncio cortante do burburinho humano. Meu reino é sombrio. Uma longa cimitarra percorre minha espinha feito faca na manteiga. Parte em dois uma medula que nunca foi una, única. Minha Dinarmarca tem a marca da pantera, o rugido do vulcão, a estranha morbidez cristã e a louca desafinação do coro dos contentes, parangolé de um lance desvairado esvanecendo-se na fumaça de um baseado.

Com absoluta clarividência descobri que minha busca desenfreada pela beleza, cujo clamor remonta de épocas imemoriais, se assemelha a vertigem da paixão. Acabei aprendendo a contar as estórias de nossas melancólicas debilidades com tonalidades zombeteiras, em dissonâncias ásperas e sarcásticas. Não escondo minha solidão extrema, assim como não revelo a amargura da vida dupla, tripla... Inconsolável sentimento de não pertencimento.

Diria até que o mundo conspirou para que minha máscara representasse a mortificação irônica da precariedade humana. Não que eu tenha a pretensão de ser uma imagem, apenas personifico o elemento mais risível, mais grotesco da cena interna. Minha eterna pantomima tola, desvairada e com um sorriso velhaco, não atina com a platéia pelada. Um praticável só faz sentido, assim como o espetáculo, se em seu dorso há gente. Uma dúvida me crava a lança: a frivolidade seria atributo de pessoas bonitas? Sendo assim, a extrema beleza de luz em Rafael não passa de uma ingenuidade pueril?

"Nobody loses all the times" já disse o vate estadunidense. Parece, meu único leitor? Não. É! "Os atavios e as galas da dor" estão expostos e indicam meu estado de ânimo. O semblante abatido denota a vergonha da derrota. "Ser ou não ser, eis a questão!". Estar ou não estar, eis a razão, "In a middle of a room" cheio de trevas. Nada mais que o reino sombrio de um suicida. Hamlet perdido na escrita. Ao tensionar a coisa até o limite do suportável, nada mais faço que expor a possibilidade de rompimento da idéia e o machado dessa fissura é a palavra, escrita ou não. Ou como diria Octavio Paz: a tradição da ruptura.

Cummings e Hamlet nos "tristes trópicos"? Coisa mais maluca. Sem ser ofensivo ou preconceituoso, é um verdadeiro samba do criolo doido no horário nobre de pindorama. Enfaticamente, como o poeta, me despeço largando ao largo a impressão doentia de uma terrível apatia. "Beautiful is the unmeaning of (silent) falling (everywhere) s now". Cai, agora, uma garoa ignorante em meus lábios sem que nada surja deles. A beleza não passa de uma visão turva da realidade. É só.

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