sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Geometrista da Geometria.

Best witchcraft is geometry
to the magician´s mind -
His ordinary acts are feats
To thinking os mankind.
Emily Dickinson

Coincidentemente, ou simbolicamente, começei a escrever a crônica de hoje tendo Brasília como personagem. Eis que recebo, via nossa maravilhosa rede, caro único leitor deitado na mesma, a notícia da morte, aos noventa anos, de Athos Bulcão. Pára tudo! Não é possível passar em branco o dia negro. A outra crônica que fique para depois, aguarde o término das exéquias. A geometria dentro da geometria, assim a obra do grande "brasiliense" passeia graciosa e intimamente pelas quadras, palácios e gabinetes da cidade. Assim como eu, creio, pois somos brasilienses por tesão e opção, o sentimento da cidade enraizou largas ramas no olhar ao longe. As curvas enlaçando o horizonte suspendem o tempo em galhos de árvores tortas.

Aqueles cubinhos do Teatro Nacional foram palco para inúmeras peripécias juvenis. Naquele tempo o trânsito e a violência eram apenas uma promessa e as crianças viviam largadas, zanzando pra lá e pra cá, como se estivessem em uma fazenda. Escalar uma obra de arte, eis a verdadeira exegese possível. A praxis utilitária do lúdico se contrapondo ao sisudo corte reto. Desde tenra idade; primeiramente ao ir para a Escola Parque, atrás da igrejinha; que pombos em fundo azul povoam minhas calçadas. As obras do mestre se espalham por aí: ao ar livre, escondidas em escusas conversações, nas primeiras visões artísticas de uma criança, na escalada conquistadora de uma pirâmide, na memória dos candangos e nas "estátuas invisíveis".

Mais que um artista, um verdadeiro criador. Deus chegado em terras inóspitas para iniciar a luta dos brasiliários, filhos adotivos da cidade. Minha vó é mais velha que Athos bulcão sete anos, portanto ele poderia ter sido meu avô. Não foi, mas se tornou o pai de meus olhos plásticos. A lembrança mais antiga que tenho de uma obra de arte é as cerâmicas da igrejinha. O traço curto e rápido de um falcão em pombas. Mera presa? Ou o doce ato da vida? Desato o fato assim: a linguagem dentro da linguagem sem ser metalinguagem, como o nascimento é a saga da criação.

Poderíamos dizer que Athos Bulcão é uma criação divina da mente humana, poderíamos até exaltar a técnica refinada de sua mão, ou ainda enaltecer sua candanguice. Tudo insuficiente. A pena pequena se acovarda ainda mais ao digitar. Essa associação ficou interessante. A pena, símbolo romântico, é o teclado, símbolo pós-moderno. Digressões... ah, as digressões.

Uma canção de amor havaiana aportou no cerrado e me trouxe em suas mãos a retina das artes plásticas.

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