domingo, 9 de novembro de 2008

Vir Ver a Vida

Houve uma ocasião, uma boa época, em que eu perambulava pelas calçadas da cidade como quem procura algo ignorado. Passado tanto tempo, continuo não sabendo o que procuro, assim como não me sinto em busca de nada. Meu escaravelho dourado jaz inerte em minha memória. Eu bem poderia encontrá-lo de novo, mas falta-me agora, mais que nunca, o ânimo de outrora, a força de antanho. É... eu poderia, mas prefiro o silêncio das profundezas marítimas.

Hoje tenho uma idéia fixa alagada por uma torrente de sangue esguinchando de meu coração. Sutilmente se apoderou de mim e agora me consome. Por um breve instante pensei perceber o quanto estava enganado. Mas me enganei e continuei caminhando cuidadosamente enquanto recolhia rumores vagos de minha insânia. É, é isso mesmo. Estou ficando louco. Já não jogo cueca na sala, não fumo mais, bebida nem pensar, leio meu jornal de maneira civilizada e, suprema glória, não mijo fora do vaso.

Aqui, meu amigo, onde vejo alucinações, meu temperamento se excita, por muitas e nenhuma razão. Mas ainda há um outro estraho motivo para que eu creia em minha sandice. No presente caso a questão é considerar as minhas faculdades e impulsos destituidas de juizo. Os fenomenologistas podem até dizer se tratar de um sentimento irredutível e moralista. Não creio em tal leitura. Acredito que vivemos como náufragos agarrados na boía arrogante da razão.
A fatura das mentes analíticas é, por si mesma, mais fácil de ser protestada.

Me viro abruptamente. Esquivo e escorregadio saio ligeiro e não noto o mecanismo sendo acionado. Meu erro! Um jogador de xadrez, por exemplo, nunca faz um lance sem saber das próximas jogadas. Nesta tarde, quando as peças estavam diferentes, com bizarras formações, notei a lenta agonia revestindo o dia e não havia variáveis. Apenas o mate se anunciando esmagador. Não há um só instante em que não o diviso pronto e é muito possível que o intervalo entre o movimento das brancas e os poucos segundos de meu delírio, seja apenas meu senso me deixando.

Estou doente, terrivelmente enfermo. Vi, com horror, a barca humana naufragar. Vi, com um sorriso cínico, o amor ser violentado. Vi, não sem comiseração, o assassinato do carinho. Não! Definitivamente não vi a vida.

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