sábado, 22 de novembro de 2008

Passado Pesado

Fazia cinco anos que ele não a via. Foi uma separação traumática, porém silenciosa, sem um gemido e com urros estrondosos, nos íntimos. Nem sequer se falaram nessa meia década, apenas um último olhar restou daqueles anos. Lembrou nitidamente o dia em que tudo acabou. Parecia que alguém havia retirado um tapete sob seus pés. Tudo rodopiou e ele nunca entendera a razão do fim. Os três filhos choravam compulsivamente e ela contribuia com reclamações inúteis e bastante conhecidas. Só ele silencioso. Um vulcão prestes a vomitar toda sua fúria.

Agora ela ali, na sua frente, com a boca travada e olhar fixo no pai de seus filhos. Aturdido ele não conseguia articular balbucio algum, apenas o silêncio se aprofundando. Olhava com indiferença e um certo desprezo aquela mulher envelhecida, com um sorriso opaco e olhos esmaecidos. Sensação estranha devem ter sentido nossas personagens. De inopino se perguntou como pôde ter amado tanto aquela estranha. A olhava e via uma estrangeira, uma imagem da qual não se lembrava de ter visto.

Só que a memória é traiçoeira e implacável com os sentimentos, o coração o reino da incerteza e a razão uma única lança certeira. Em um minuto todo um passado esquecido no fundo mais escuro do porão se iluminou. Subitamente quinze anos deliberadamente apagados se revelaram límpidos. Toda cena se desenrolou em um piscar de olhos. Como era apegado aos filhos. Os passeios todo final de tarde. Iam olhando e identificando as árvores. Olha papai, pitanga. Mais na frente várias mangueiras. Tinha até dois pés de graviola, sem se falar no monte de sucupira, cajuzinho do cerrado, cagaita e tantas outras árvores, com ou sem frutos. Perdera tudo e tudo abandonou. Não, agora já não têm nem árvore nem passeios, e tudo por culpa minha. Agora já não têm sonhos. Ele era a desgraça; nada lhes dei, tudo lhes tirei. Obrigado mais uma vez mestre Fuentes.

Perguntou pelos filhos automaticamente, como um balconista se dirigindo ao cliente. Estavam bem e com saudades do pai. Explicou que esteve fora durante esse tempo. Nem uma notícia para seus filhos? Foi tudo muito rápido, passaporte, cartas de recomendação, arrumar lugar para deixar os livros, os quadros, os discos. Nada justifica sua falta de notícias. Parecia que tudo ia recomeçar. As cobranças, a tentativa de rédea curta, aporrinhação. Espere aí, já não somos mais casados. Estou falando de seus filhos e não de nós. Sou responsável pelas atitudes que tomo. Fiz o que achei que deveria ter feito. Foi excelente e, aliás, estou só de passagem. Volto amanhã e acho que nunca mais ponho os pés no Brasil novamente. Você sempre foi um egoísta mesmo, não vai nem ao menos ver seus filhos? Acho que não, eles não precisam de mim e eu não tenho família, sou só no mundo e assim me convém.

Dito isto, se afastou célere, sem olhar para trás, sem remorso e com um passado começando a se tornar pesado.

3 comentários:

Anônimo disse...

Véi, um abraço.

poupadordeporra disse...

Valeu Careca. Vou lhe mandar uma chá para queda de cabelo: o chapéu. Eu já confiquei o meu. Abração.

Anônimo disse...

Poupador fiadaputa! O meu chapeu novo ja chegou...