Antes de mais nada, senhor cavalheiro, lhe direi o seguinte: longos anos de preconceito nos ensinaram que podemos nos fiar somente em nossos cinco sentidos. A idéias florescem e murcham rapidamente, as recordações perdem-se, as esperanças nunca são realizadas, os sentimentos são inconstantes.
Carlos Fuentes – Terra Nostra.
O panamenho cosmopolita naturalizado mexicano faz oitenta anos hoje. Toda geração hispano-americana que ganhou o mundo com o chamado "realismo fantástico" a partir dos anos cincoenta foi fundamental em minha formação literária. Primeiro Borges e seus duplos labirintos me encantaram. Depois vieram muitos outros: Sarduy, Carpentier, Bioy Casares, Lezama Lima, Cabrera Infante, Paz, Juan Rulfo e o aniversariante Carlos Fuentes foi um deles. Com sua atmosfera insólita de lendas, sonhos e História o autor é tão realista que a complexidade do drama humano se despreende da razão e se torna puro fantasma, magia em seu estado mais bruto.
É provável que o equivocado termo realismo fantástico tenha encontrado aqui seu berço. Não simplifiquemos, senhor cavalheiro.
A árdua batalha de usurpadores é mera revelação do que não foi dito. Longos anos de preconceitos em nossa também longa história feita de silêncio, retórica e cumplicidades. Ao desvendar o novo mundo o escriba aciona o teatro da memória, da gente da selva e aos pés do senhor recusa a racionalidade do velho mundo. Sendo assim a América é mera miragem, fantasma arrastando seus grilhões, até porque a representação da realidade nada mais é que os cinco sentidos nos dando a única prova segura de nossa existência. Somente os sentidos podem nos dotar de identidade.
Entre a História e a ficção, a lenda. Sei que, depois de toda essa pretensa erudição, o senhor deve estar se perguntando quais as novidades em tudo isso. Por favor não me julgue com indulgência, não a mereço e a repasso para os humildes. Reconheço que trago notícias requentadas, mas não vamos brigar em dia tão nobre, já basta nossa guerra íntima. Quanto a mim, tenho cá com meus botões que não passo de um tolo pretensioso. Não creio poder sair por aí dizendo o que acho do que não conheço. Aliás, não perdi nada para ficar achando algo.
Fuentes furta cor e sempre o mesmo. Sempre o mesmo camaleão errante na temática obsessiva explorando os limites da linguagem. As sensações mais diretas são fundamentais nessa narrativa do corpo, dos sentidos. Não por acaso o erotismo ocupa lugar nobre no universo poético de Fuentes. Como bem observado por outro mexicano, em Fuentes e Bioy Casares os fantasmas não são menos reais que o corpo. Dessa maneira a identidade se dispersa e eu me despeço desejando um FELIZ CUMPLEAÑOS, GEORGE.
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