O políticamente correto, a ditadura da saúde, o antitabagismo, tudo isso me aborrece profundamente. Ter que ser o que eles querem, se comportar segundo um preceito preestabelecido, pautar seu cotidiano por regras nocivas ao bom viver me parece a mais absurda das bisbilhotices. Não as quero. Jamais farei isso com meu fígado. Água seria um choque insuportável, Quincas desavisado não me pega. Esse pessoal e suas perspectivas ligeiras não suporta a felicidade alheia regada a doses generosas do mais fino destilado escocês.
Imagine só, euzinho caminhando todo dia, perdendo um tempo precioso com ruminações de um coroa chato, solitário e mal-humorado. Só de pensar já fico cansado e agastado. Antes o folgazão da mesa, o cultivo da pilhéria se esvanecendo na fumaça do cachimbo, a refrescante bobagem fresca, molhada e sorvida, gota após gota. Não me queira mal, comportado leitor, apenas a desafinação nesse acorde perfeito. O pingo para manchar, a mácula necessária. Afinal, como já disse, não falo de mim, nem do narrador. Apenas a personagem em cena.
Atravessar o oceano Atlântico de avião tornou-se uma tarefa impossível para os fumantes de plantão. Ficar horas sem um traguinho, uma barrufadazinha, um tapinha sequer. Martírio total e absoluto. O pior de tudo é ter que aguentar o ar de reprovação de um contigente cada vez maior. O cara se sente perante um tribunal do Santo Ofício. Ovelha em oferenda. Para aumentar o tormento a turba ruge, arreganha seus dentes em franca hostilidade aos que ainda ousam acender um. Pelo direito irrefutável de se regular o nível de nicotina.
Os vícios são a prova inconteste do prazer humano. Desde priscas eras que há algum tipo de entorpecente nos grupos sociais. A variante está na relação desenvolvida. Uns incorporam os usos rituais, outros assumem uma postura coercitiva, algumas radicais e há, ainda, a liberação geral. Essa histéria é hipócrita e resume bem a miopia política do homem contemporâneo. Ao tomar a padronização como referência de uma política pública nego toda e qualquer diversidade, as diferenças, o diálogo. Não que eu queira ser arauto de algo, apenas o reconhecimento e o direito de minha cirrose cultivada por anos, de meu enfisema pulmonar de meu distúrbio neurológico.
Sim, só sendo louco para proferir tantas bobagens, deve estar pensando meu leitor de conduta irrepreensível. Só posso lamentar. Eu, de minha parte, vou vivendo assim, nos vapores do ópio e do ócio.
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