Alguns anos atrás conheci um certo médico, Dr. Plácido Barreto. Era de uma tradicional família paulista e crescera com bastante mordomia. Mas uma série de infortúnios o reduziu à miséria. Para minimizar as consequências de sua falência, deixou a cidade dos bandeirantes, terra de seus antepassados, e foi se aventurar no nordeste, fixando residência em Pipa, próximo de Natal.
Pipa é bastante singular. Longas praias emolduradas por falésias imensas, escondem uma maré traiçoeira e alta, bastante alta. Com o pouco que restou de sua fortuna, comprou um belo de um terreno, construiu uma casa confortável, montou um consultório na beira da praia e ainda sobrou algum. Atendia de bermuda, camiseta leve e chinelo. Sendo uma pessoa extremamente simpática, além do fato de ser médico em um fim de mundo, apresso a esclarecer que quando ele foi para lá, Pipa não passava de um lugarejo de nativos, não essa loucura turística de hoje, não lhe foi difícil granjear uma certa popularidade. Contribuia também o fato de nunca cobrar consultas e remédios.
Passado uns dez anos após sua chegada, surge na cidade um playboy conterrâneo de nosso doutor. Tendo a patroa do mesmo se sentido mal procurou o único médico existente: Dr. Plácido. Como sempre o nosso herói se encontrava em trajes pouco compatíveis para o exercício da profissão, segundo asseverou o paulista. Placidamente; não se trata de trocadilho barato, minha única leitora, o sujeito é de uma mansidão de dar sono em pé de maracujá, faz juz ao nome; o doutor disse "como queira" e foi atender a paciente.
Entretanto, o buraco era mais embaixo. O rapaz começou a dar escândalo. Não iria permitir isso, aliás onde estava o diploma, deveria estar pendurado na parede, emoldurado e passado. Com o alvoroço a pequena população da vila foi se apinhando em frente ao hospital do doutor. O consultório virou hospital e a curiosidade acirrou os ânimos de nosso ator canastrão acostumado com dramas baratos. Se vendo protagonista da cena não titubeou em carregar nas tintas. Isso aqui é caso para o Conselho de Medicina. Onde já se viu um charlatão exercendo tão nobre profissão. Será que os senhores se deixariam cuidar por alguém que nem diploma ostenta? O que diabo é isso? É de comer? Perguntou um. Deixa de ser leso homem, é de beber. Você os tenta comer mas só bebe, o homem é fino, da capital. Respondeu outro mais sabichão ainda.
Barreto, como o povo acostumou a chamá-lo, não ligou a mínima e continuou a atender a moça. Bonita, elegante e perfumosa, observou um mais galanteador, a jovem já demonstrava irritação com a atitudes de seu noivo, como se soube mais tarde. Enquanto o profissional cumpria seu juramento, o jumento continuava seu espetáculo sob os olhares curisos e atônitos dos nativos. Constatou-se uma indisposição estomacal que foi logo resolvida. Ao se restabelecer a linda moça se aproximou do rapaz e, na frente de todo mundo, tirou, sem uma palavra sequer, sua alinça da mão direita e entregou ao embasbacado paulista.
Voltando-se para o médico perguntou se não havia um quarto para alugar. Para alugar não tinha, mas teria imenso prazer em hospedar uma conterrânea. Isso seria outra estória ou o início do fim?
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