quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sintomas

Estava a fim de escrever uma crônica engraçada, mas as idéias andam escassas. Do meu mundinho nada falo, já que sou uma pessoa bastante desinteressante. Eis o impasse, príncipe do Cerrado. O jeito é fazer o parafuso dar uma volta ao redor do quarto. Aproveitando-me desses três grandes escribas esmiuço a casca pendendo da parede. Como se fosse escamação de pele queimada pelo sol, lascas grandes procuram a gravidade de sua queda e trombetas anunciam que é hora de partir, de procurar outro canto, outra morada.

Mas a morada é em mim. O espaço apenas reflete o desleixo, a falta de sensibilidade e a ampla gaiola da servidão. Nada que revele a antiga reverência ao destino solto, sem rédeas, procurando a pradaria sem cercas. Corcel indômito fugindo das amarras, como já disse há muito tempo em um poema. Com uma ponta de desdém noto que muinto do que fui se perdeu em pouco tempo, em coisa de minutos.

E esse não sou eu. Surrupio da memória os dias em que guardava baganas embaixo de pedras, em buracos nas árvores, em cima do elevador, enfim, em várias quadras e lugares havia um reservatório para os momentos difíceis. Tamborilava o tempo em vastas camadas, em finas fatias de lassidão. Ali sim, a disposição para o embate, a luta diária do cavalo chucro dando pinotes em direção à lonjura. Hoje o palco é pequeno e a Cena Dramática vazia, sem representação e eu não sou Henry James, nem Shakespeare e muito menos Xavier de Maistre.

As grandes indagações, as controvérsias, o discernimento entre a ilusão e o real, sugerir o que se oculta por trás das palavras, construir narrativas labirínticas, a ficção e o texto, são coisas que desconheço. Não passo de um apontador, escrivão de repartição com cheiro de mofo. Eis ao que se resume minha escrita.

E minha metamorfose é simbólica! Toma o barco do desencanto, fenece em um instante e a terceira margem é um fantasma real. As coisas mais abomináveis de mim mesmo são apenas sintomas de meu mal-estar e doença, como me diz a volta do parafuso ao redor do quarto.

E a crônica engraçada não saiu.


 

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