O avião partiu pontualmente às três horas. A noite anterior havia sido mágica, suave, estrelada e repleta de relatos. Não me aborreci em nenhum momento, muito pelo contrário, foi lá que ouvi de uns lábios ressequidos, pele enrugada, pernas vacilantes e olhos ainda vivos a estória que se segue.
O dia amanhecera cinzento, o vento soprava curvando os coqueiros, chuva armada no horizonte e deixei o continente às escuras. "Assim como eu nesse avião. Esclareço que estou escrevendo nesse exato momento". Certamente cairia um temporal e eu não estaria presente para ver essa chuva de verão tão conhecida minha.
Ela estava linda. Seus olhos azuis resplandeciam de felicidade e eu me encantava com isso. Bastava vê-la feliz, rodopiando na pista e me lançando olhares lânguidos. Sabíamos muito bem que não nos veríamos mais. Inexplicavelmente eu sentia uma placidez, uma calma até certo ponto assustadora. Amanhã deixaria para trás a promessa de felicidade, desataria uma bela história de quinze anos e não me sentia nem um pouco preocupada com perdas. Era minha chance e éramos jovens. Eu fui chamada, não tentei nada. Mas ela... Nunca mais acharia alguém como ela, tinha certeza disso. O que se comprovou.
Durante trinta e cinco anos não tive notícias, apesar de minhas insistentes cartas. É moço... antes se escrevia cartas. Hoje não, só essas coisas curtas da rede. O moço não me leve a mal, mas não me dou com essas coisas eletrônicas. Sou de um tempo em que se lavava a própria roupa suja. Mas veja o senhor como o destino é irônico. Um belo dia compromissos profissionais me levaram direto de Paris para Brasília. Da cidade sabia apenas que era algo perdido no meio do nada. Realmente, quando cheguei a desolação era total. Muitos homens, poeira muita e uma precariedade de dar dó. Acho que era por volta de sessenta e dois ou três, não lembro bem.
Mas dela me lembro muito bem. Ao chegar ao ministério dei de cara com a secretária do ministro: Ela, linda como da última vez. Fiquei sem voz, apavorada. Ela, com o mesmo jeito infantil de nossa juventude, me abraçou, pediu notícias e, finalmente, me encaminhou para a reunião onde só havia uma mulher na mesa de negociação: eu. Tempos duros meu rapaz. Nenhuma palavra sobre minhas cartas. Durante toda reunião isso martelou minha cabeça. Estava dando motivo para os machistas, quase todos, taxarem as mulheres de incompetentes, pois eu estava meio longe, dispersa e alheia ao andamento das negociações. Resolutamente retomei a rédea de meus pensamentos e rapidamente fechei as discussões com bom saldo para todos. Não seria eu a dar argumentos para esses engomadinhos do terceiro mundo.
Minhas cartas foram um erro
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