sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Pôr-do-sol

Minha única leitora não ignora que a troça comigo mesmo move esse parafuso. Por outro lado, leitor amigo, não é despropositado imaginar que escapo a mim mesmo. Nem eu, nem você, nem ela, niguém pode, exceto o transcorrer da cena, esclarecer essa relação estranha entre o autor, o narrador e o leitor. Porventura julgas que sou obrigado a escrever? Não está de todo errado, tampouco estais certo. Outrossim, você percebe que esse estado da alma, que vê no entardecer as minudências da vida, não passa de desavenças íntimas. Uma ponta de Iago nas convicções.

É bem provável que vocês tenham tido conflitos parecidos e, como meus leitores são só vocês dois, mínimas as tentativas de solução. Contudo, o mundo não é claro e obscura a narrativa. Meus pequenos olhos são ingênuos e vivem perscrutando a escuridão abafada, sem indícios de suavidade e sem o perfume das manhãs. Já encaro como normal a incompreensão nos olhares temerosos de meus vizinhos e não ligo a mínima para essas pessoas que lutam tenazmente para manter as aparências. Minha melacolia moral dispensa muletas e não admite Pilates. Lavar as mãos para a vida é o mesmo que confessar minha covardia e escancarar um sentimento de culpa que definitivamente não tenho.

Não serei eu a me submeter à uma vida com a qual nada tenho a ver. Já passei do tempo de flertes com pessoas que nada significam e minha repugnância, ao ver uma ferida da alma latejando, não passa de um gesto defensivo, uma bem arquitetada obra da razão. Quando, porém, o asco se vai, verifico que, afinal de contas, as coisas não são assim como o diabo pinta. Malgrado toda minha indisposição para com a vida, não me furto a vivê-la. Dessa maneira ainda alimento um desejo, ínfimo que seja, de fumar um cachimbo sentado na varanda, ao cair da tarde, e ver surgir por entre o crepúsculo uma noite radiosa depois de um dia melancólico.

Só que o destino é uma força real e maligna. A derrocada é inevitável e cavalga lépida, malogro após malogro, rumo ao baixio dos maus augúrios. No momento apenas cultivo o fracassado que todos testemunham em mim. Seria difícil dizer exatamente o que temo, mas me sinto como um equilibrista no gume da faca, pois vou tecendo minha inquietude interior brincando bem-humoradamente, como se o riso gostoso da exuberância infantil de minha face viesse do íntimo.

À hora do pôr-do-sol, outra vez tomado pela depressão, lágrimas vagarosas descem de minhas retinas e me volto novamente para a parede.

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