quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Simião Fortunato

Na manhã quase sem luz Simião Fortunato percorria um longo trajeto solitário. Lembrava-se de como acordara todos esses anos feito sonâmbulo, flanando pela vida tal qual a queda calma de um folha seca. Quando acordou, Simião Fortunato notou a longa passagem do tempo, descolorindo o que acabara de ser pintado. No momento não soube perceber o significante de símbolos nunca antes vistos. Ao se olhar no espelho viu um rosto aparentemente manso, sempre com uma pontinha de sorriso. "Adoro você por causa de seu sorriso". As últimas palavras de sua mulher.

Lembrou-se da noite em que conheceu Maia Guacamayal. Ficara deslumbrado. Dando a maior bandeira de sua adolescência desbundada. Maia, embora não fosse sequer parecida, conseguiu fazer com que Simião Fortunato despencasse de sua arrogância e a desejasse como sempre desejou Natassia Kinski, ou seria Tess? Nunca soube direito a distinção. A melhor atuação de Klaus Kinski foi na cama, gerando aquele monumento que é sua filha, costumava dizer.

Maia não escondeu seu interesse, sua curiosidade em penetrar uma fortaleza aparentando palácios. Simião fortunato, tranquilo, estudava sua atitude dissimulada, encenando a farsa de não dar muita pelota ao fato de ter Maia ao seu lado. Olhava com indiferença a rotina do bar. Aquela vagabunda ali já comi, pensou com rancor quando viu Edwirgens passando agarrada com um jornalista que Simião Fortunato conhecia de vista. Isto fora há muito tempo! Para ser mais exato faz trinta anos. Envelheceu muito. E o que fez nestes quarenta e sete anos? Quatro filhos, como sempre desejou, um emprego ordinário que lhe rendia um salário extremamente generoso, um reconhecimento que lhe parecia excessivo e uma viuvez nunca abalada.

Todos seus amores, inclusive o curto casamento, um filho para cada ano, foram conquistados através de artíficios. É certo que artimanhas só dizem que ela é imbecil e você idiota. Assim seu passado começou a se acomodar. Uma narrativa linear, com regras elementares, personagem principal, secundários, sujeito, verbo, complemento, um mistério estrutural, enfim, uma escrita seguindo as regras da arte

Com Maia não foi diferente. Mas algo começou a se mover dentro, como uma esfinge com fígado de Prometeu e o seu estômago dóia terrivelmente. Assim se consumou seu casamento com Maia. Mas isso é para depois.

Um comentário:

Anônimo disse...

Poupador:
Sou um dos seus leitores que fica deitado na rede e apesar de gostar do que lê tem muita preguica de comentar. Voce e gente boa. Mas meeeente! Já voltou a ter telefone? Preciso falar com voce. Me liga no 99756740.
PS: quem vos escreve é o seu amigo esculápio que tem a maior massa encefálica que voce conhece (embora o apelido possa ter outra conotação, tambem verdadeira).