Colinas do Oeste, 8 de outubro de 2008.
Meu caríssimo Gildo,
Estava discutindo com Maria as entrelinhas da Sibila, livro de uma escritora portuguesa chamada Agustina Bessa Luis e que eu detestei, quando sua carta me pegou de surpresa. Literalmente de calças na mão. Isso era lá hora de carteiro bater em sua porta? Sacanagem. Você sabe que as moças, ou musas, como queiras, que visitam esse tugúrio perdido no meio do nada são de outras artes, outras manhas. Deves ter percebido também que a feiticeira de meu interesse atende por outro nome. Desculpe-me a demora em responder, mas havia outras pelejas para o momento e você mais que ninguém sabe que jamais traio a confiança de meus companheiros de batalha.
Fiquei satisfeito ao ver que andas escrevendo. Mas que putaria é essa? Eu? Escrever prefácio? Ficou maluco meu irmão... você é sabedor de que não escrevo uma linha sequer. Aliás, responder sua carta está sendo mais que um martírio, é, verdadeiramente, uma tarefa de Sísifo. Minha escrita, depois dessa onda de cartão, não assina mais nem cheque, não manda mais cartão com flores, pois isso é besteira e perda de tempo. Já lhe detalhei minha teoria. Poesia? Nunca imaginei... Mas taí, acho que você é mais cronista que poeta e teria um futuro promissor em nosso balcão de negócios. Não foi à toa que o convidei para vir se juntar aos inescrupulosos.
É bem verdade que em nome de nossa velha amizade curtida em cerveja, mesas fétidas, mulheres, farras, futebol, viagens e vadiagens, botei a caraminhola para trabalhar. Como não saía nada e a garrrafa de whisky já estava pela metade, resolvi te escrever essa missiva para dizer que, não me leve a mal, declino do convite e passo a bola adiante. Sugiro o Perneta, além de gostar de seus escritos ele anda com um cartaz danado com o manda-chuva. Não me leve a mal novamente, mas sabe como é... no nosso ramo a vaselinagem come solta.
Percebo que me desculpo em demasia. Não lembro de ter lhe pedido uma desculpa sequer em nossa longa convivência, agora em um único parágrafo me sai duas vezes. É, meu camarada, os tempos são bicudos e outros ares sopram. Há quanto tempo não nos vemos? Quinze anos, mais... Muita coisa mudou e já não sou mais aquele moleque que curtia a vida com a ânsia de um desbravador e muito menos o adulto tolo de nossos últimos encontros. Não lhe dei ouvidos e deu no que deu. Você fez bem em se mandar. Lembro muito bem do dia em que lhe deixei no aeroporto.
- Meu irmão, meu brother não cometa essa loucura. Vamos nessa, lá está nosso sonho e você sabe muito bem que a Michelle tá babando por você.
- Não dá. Tenho que ficar. Muita gente depende de mim.
- Que nada, manda todo mundo prá puta que o pariu.
- Não posso.
- Então é isso. Até mais, um dia a gente se vê. Não é você que vive dizendo que até as pedras se encontram? Você é um brother de fé.
- Valeu, você também é meu irmão and have a nice trip, vai treinando viu sua anta.
Lembra? Seu inglês era uma merda, agora tá até escrevendo, publicando.
Meu erro. De nada valeu a atenção e muito cara ficou minha solidão.
Abração e tenho certeza do sucesso do livro.
K.
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