segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Carta.

M..., 6 de setembro de 1....

Meu Crispiniano,

Podes supor como me sinto, como se encontra minha alma após sua partida. Afirmo que não sei como vivo. Saudades, cuidados de toda sorte tomam conta de meus modos. Já te contei, em uma das minhas cartas anteriores, o que o infame, covarde, o maior dos monstros fez. Logo que você partiu, espalhou que havia lhe dado uma coça violenta e que você não reagiu. Até teria pedido desculpas. Bem sei não ser de seu feitio levar desaforo para casa, impudência que até me preocupa. Não há de ser nada, alguém há de calar esse falastrão.

Meu querido, nossa filha Maria Pérpetua está vindo para a fazenda com toda família, inclusive as empregadas e a família do marido. Já viu, né? Mil coisas para arrumar. Não quero que a chata da sogra de nossa menina tenha um mínimo motivo de queixas. Com aquele arzinho esnobe pensa que só ela sabe receber. Deixe estar, um dia a lagoa há de secar jacaré. Júnior foi à cidade por precisão. O alambique quebrou e nosso estoque está baixo, não está sendo possível atender todos pedidos, até recusamos alguns. Primeiro os clientes antigos e leais, depois os outros. Aliás, a cana desse ano foi muito boa. Até separei um trecho para ampliar nossa adega particular, tudo do jeito que você faria caso estivesse aqui.

Crispiniano do coração, se me fosse possível adivinhar, eu não ficaria sem ti um dia sequer. Muitas e muitas folhas de papel serão precisas para lhe contar essa minha existência de não poder estar ao seu lado. Esse martírio que me consome lentamente. Felizmente as coisas andam boas, a produção vai bem, o animal também, o que atenua sua ausência atroz. Os meninos estão se saindo muito bem no trato com a fazenda. Também pudera, aprenderam tudo com o pai. Só o Benício não parece muito satisfeito, você sabe... o menino sempre quis ir para a cidade. Maria Emília, de quem tive notícias ontem, me pede que te diga mil coisas. Está cheia de saudades. O marido esteve aqui na fazenda ontem, com mil agrados, mas eu já o conheço bem e não me seduzo com suas bajulações mentirosas. Enfim, nossos filhos estão bem, a fazenda vai bem e não há motivos para preocupações.

Meu amantíssimo Crispiniano, vou finalizando essa dizendo-te de como o amo e como é doloroso para mim suportar mais um dia longe de ti, meu adorado. Te amo silenciosamente, como se estivesse escutando um concerto de flauta, daqueles suavíssimos. Lembra de nossos silêncios, como ficavámos a dois, juntinhos bordando um sentimento requintado se exprimindo independentemente de palavras? Você sabe disso, foi você quem me mostrou a fala do silêncio. Eu gostaria de traduzir tudo isso em palavras, mas sou tão fraca das idéias e seria uma afronta o manuseio para o ignorado. Se ao menos eu soubesse escrever um pouquinho melhor! Escrevo ao sabor da pena, falo daquilo que me vem à idéia, com a única intenção de lhe dar notícias, com o intuito final de lhe proporcionar distração.

Tua, muito amante,

Maria.

PS: Por amor de Deus, não se esqueça de minha recomendação para sua mãe. Fixe bem: a massa é grossa e não fina!

2 comentários:

Bianca Feijó disse...

Que belo conto!

Merece uma continuação.

Gostei do "PS"...rsrs

B.E.I.J.O.S

poupadordeporra disse...

Quem sabe não entro no clima de Hollywood e faça a missão, a volta, o retorno ou seja o que for. Muito obrigado pelas palavras gentis.