Eis que estamos aqui, perdido diante da tela em branco. Finalmente choveu. Seria um bom início se bons inícios fossem suficientes. Contudo, choveu e limpou um pouco o horizonte empoeirado de cinzas. Uma lavagem básica no foco de nossas retinas ressequidas, intumecidas pela brasa do cerrado. A longa seca rasgou de ponta a ponta o verde, amareleceu a paisagem em ipês azuis e se vestiu de rainha ao ser beijada pelo vapor saindo da terra, quente, rachada, como um solo de sax.
Na estiagem o cerrado revela suas cores, mostra sua magnífica manta de água. Abre-se em um esplendor sutil, delicado e retorcido. Pequenas manchas coloridas salpicam o cinza emoldurado por um azul límpido. Uma luz renascentista se espraia longe, saliento não se tratar do distante e sim da lonjura, do pensamento. Nessa época narizes sangram uma imagem estourada, os pés atravessam idéias calcinadas e a miragem molhada do asfalto atesta nossa sede. Alguns já me julgam doido só pelo fato de eu gostar do cerrado, gostar da seca então é caso de internação, patologia desconhecida e perigosa.
Mesmo os mais simpáticos ao nosso bioma, responsável por cerca de 35% da biodiversidade brasileira, sucumbem ao tempo das queimadas. Falo das naturais, pois elas são próprias do sistema, não das ateadas por mãos criminosas. O sol ao lamber ávidamente um seixo liso, ejacula sua porra no mais delicado fio de capim esturricado. Não por acaso que as bailarinas calçam grossas sapatilhas para o bailado da vida. O fogo ao destruir traz a novidade, aquela nascendo vigorosa no na aba do chuveirinho, na lobeira e sua flor roxa, no encantado sabor da cagaita, na mama-cadela, que conhecíamos na infância como chiclete-de-onça, nas canelas-de-ema, das siriemas. Para que os pouco familiarizados com os assuntos da savana brasileira não estranhem, creio ser preciso dizer que a siriema e ema são dois seres da fauna. Já a canela-de-ema é uma legítima representante da flora. Não a companheira do ex-ministro da fogueirinha de papel.
- É melhor dar um basta e colocar ponto final nessa apologia cerratinesca. Não posso dar a mínima trela que lá vem ele com seu jeitinho de intelectual sabe-tudo se imiscuindo em searas fora de sua alçada. É insuportável sua obstinação em levar a serieadade para palcos que não a comporta. Já falei mil vezes: aqui não é academia. A mente despreocupada não necessita de exercícios que despertem sua lassidão e nosso risco do bordado é ligeiro, fácil, não suporta o peso acadêmico. Porra, caralho, será que é tão complicado assim entender, como dizem os sabichões enfatuados, o insight da coisa? Tendo sido preciso me ausentar tanto nos dias que se passaram, deixei o blog na mão desse cara aí. Deu no que deu. Deixou uma semana no vazio e quando publicou... desfilou um arrazoado. Venho percebendo, desde que soltei a rédea, um certo ar esnobe nessas viadagens aí de gregos, cristão alcoólatra cheio de culpa e que tais. Até companheira o cara usou. Porra, não é mole não... A gente faz um esforço danado para ser políticamente incorreto e o distinto me sai com essa. É como aquela velha estória: a gente dá a mão neguinho já quer o braço. Ponto final, retomemos o fio da esculhambação. Até amanhã.
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