domingo, 7 de setembro de 2008

Sentimentos

para Baden Powell

Tenho uma capacidade incrível de destruir tudo que há de bom em mim. Deliberadamente mato toda possibilidade de felicidade, aniquilo com um só golpe, certeiro e célere, toda e qualquer semente que brote. Esse meu proceder é antigo, se perde em regiões remotas da memória e não sei ao certo a razão que me condena a isso. Uma morbidez cultivada com denodo e afinco ao longo de décadas. Nada mais impróprio para esses tempos de felicidade em doses homeopáticas. Talvez seja essa a solução: ler algumas linhas de Paulo Coelho e sair sorrindo para todos.

Sinto essa estranha morbidez amplificada ao perceber que não caibo no mundo. Um estrangeiro em sua própria casa e mamãe não morreu ontem. A adaga retinindo ao sol projeta uma estranha cena, estabelece um diálogo maroto com a inapetência e tudo gira, um corpo que cai. Aguilhões perfurando a fina camada do racíocinio não explicam a razão do fracasso, sobretudo o pessoal. Nada dura. A provisoriedade desses seres brutos me causa engulhos, sua efemeridade os condena à ignorância, alimenta sua aneroxia intelectual. Não devemos crer em pessoas que confundem saber com arrogância. E nosso país do futuro não pensa que são sinônimos? Indubitavelmente não fui talhado para legitimar posturas medíocres e isso me afasta cada vez mais do convívio humano.

Estar em si e para si, eis o dilema. Embora haja algo de reconfortante nessa misantropia, a solidão não é redentora. Estar só é só estar, sem almejar ser não estou e não estando não posso ser. Explico: a existência de algo só se concretiza mediante a consciência de outro. Não estando, não sou existo, pois não faço parte do repertório do outro, aquele que dá sentido à minha existência. Apenas em mim não existo senão para mim. E isso é insuficiente. Por outro lado existir é farsa, comédia indigna de ser representada e fazer parte desse ato é compactuar com um diretor maluco. Não entro em clube que me aceita como sócio. Nunca soube ao certo a autoria dessa frase, fica na conta do populário. Uns dizer ser de Oscar Wilde, outros de Groucho Marx, mas tanto se dá como se deu.

Estou fadado, desde cedo, a não existir. Ser apenas uma leve lembrança na memória de minha mãe, nada mais. Um Meursault errante se recusando a acatar as regras do jogo. Talvez esteja aí a explicação para minha absurda morbidez. A incompatibilidade entre meu anseio e a realidade, entre os filhos da noite – os sonhos – e o leito amaldiçoado de Tebas – o sofrimento. Um incômodo binário estampado em traços finos, labirintos de rendeiras suavizando a dureza do bordado.

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