Tenho uma capacidade incrível de destruir tudo que há de bom em mim. Deliberadamente mato toda possibilidade de felicidade, aniquilo com um só golpe, certeiro e célere, toda e qualquer semente que brote. Esse meu proceder é antigo, se perde em regiões remotas da memória e não sei ao certo a razão que me condena a isso. Uma morbidez cultivada com denodo e afinco ao longo de décadas. Nada mais impróprio para esses tempos de felicidade em doses homeopáticas. Talvez seja essa a solução: ler algumas linhas de Paulo Coelho e sair sorrindo para todos.
Sinto essa estranha morbidez amplificada ao perceber que não caibo no mundo. Um estrangeiro em sua própria casa e mamãe não morreu ontem. A adaga retinindo ao sol projeta uma estranha cena, estabelece um diálogo maroto com a inapetência e tudo gira, um corpo que cai. Aguilhões perfurando a fina camada do racíocinio não explicam a razão do fracasso, sobretudo o pessoal. Nada dura. A provisoriedade desses seres brutos me causa engulhos, sua efemeridade os condena à ignorância, alimenta sua aneroxia intelectual. Não devemos crer em pessoas que confundem saber com arrogância. E nosso país do futuro não pensa que são sinônimos? Indubitavelmente não fui talhado para legitimar posturas medíocres e isso me afasta cada vez mais do convívio humano.
Estar em si e para si, eis o dilema. Embora haja algo de reconfortante nessa misantropia, a solidão não é redentora. Estar só é só estar, sem almejar ser não estou e não estando não posso ser. Explico: a existência de algo só se concretiza mediante a consciência de outro. Não estando, não sou existo, pois não faço parte do repertório do outro, aquele que dá sentido à minha existência. Apenas em mim não existo senão para mim. E isso é insuficiente. Por outro lado existir é farsa, comédia indigna de ser representada e fazer parte desse ato é compactuar com um diretor maluco. Não entro em clube que me aceita como sócio. Nunca soube ao certo a autoria dessa frase, fica na conta do populário. Uns dizer ser de Oscar Wilde, outros de Groucho Marx, mas tanto se dá como se deu.
Estou fadado, desde cedo, a não existir. Ser apenas uma leve lembrança na memória de minha mãe, nada mais. Um Meursault errante se recusando a acatar as regras do jogo. Talvez esteja aí a explicação para minha absurda morbidez. A incompatibilidade entre meu anseio e a realidade, entre os filhos da noite – os sonhos – e o leito amaldiçoado de Tebas – o sofrimento. Um incômodo binário estampado em traços finos, labirintos de rendeiras suavizando a dureza do bordado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário