quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Paralelas

Expor o curso de meus pensamentos nunca foi minha pretensão. Nunca pensei ser o momento para se entrar em minha personagem; chegará a vez dela. Apenas relato causos miúdos, coisas rasteiras de uma mão inquieta, com uma agitação que se traduz em desejos estranhos e atormentados. Seria, aliás, uma temeridade eu assumir tal risco. Permaneço indiferente à minha sorte e confesso, não sem uma certa pontinha de desdém, que absolutamente não tenho o mínimo interesse pelo amanhã. Suportar a passagem do tempo já tem sido odioso.

Não gostaria de submeter minha única leitora aos segredos mais penosos dessa marionete sem direção, dessa vaga sensação de que a verdade não está nela, nem em ti e muito menos nesse que vos narra. Eis que vago na paisagem ardente da cidade, onde, justamente na véspera, na presença de meus chefes, mandei rasgar um texto inteiro. Desatinos de uma alma dilacerada por representações maliciosas. Só não perdi o trabalho porque rapidamente joguei uma conversa mole qualquer e apresentei, ao final do dia, um texto supostamente muito superior. Nisso sou craque: enrolar mané.

Sim, mas... Fique sabendo, meu Karmann-guia de leitores, que as tolices são fundamentais. Sem elas seríamos meros digitadores da comédia grotesca envolvendo a tragédia humana. Meu desígnio é contar-te o mais rápido possível a essência de uma lorota, é envolter-te em uma mansa conversinha que não procura compreender. Ouso mesmo supor que minha narrativa não passa de duas paralelas que jamais se encontrarão no infinito. Até penso que essa entativa de diálogo direto é rídicula e já bastante gasta. Posso ao menos me penitenciar, ao perceber seu sorrisinho maroto, de canto, como se encarnasse famoso quadro me dizendo: você é um mero contador de estória e não existe sem mim.

Acreditaria que hoje escrevi apenas para ter com quem conversar? Não! Definitivamente não estou zombando de ti e não penso que minha inapetência de vida tenha algo a ver com isso. É como aquela velha estória de amar certas pessoas sem saber por quê. Eu amo o vazio, no qual talvez nunca tenha acreditado, mas que venero por hábito, como fumar. Há três meses que vivo aqui e tenho notado como o autor me observa. Se vê em seus olhos várias expectativas, todas individualizadas. Seu semblante demonstra uma certa insegurança que não condiz com seus atos e gestos. Há algo irritadiço, áspero conduzindo suas ações envilecidas.

Meus parcos leitores, pergunto a mim mesmo: Quem é o narrador? A personagem? O autor? Defino assim: uma narrativa sem sofrer por não poder mais amar. Assim finalizo essa crônica mais que influenciada pelo contumaz jogador russo da alma humana.

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