Sou a personificação exata do ser dominante. Carrego em mim todos defeitos da raça e não trago nenhuma de suas virtudes, se é que elas existem. Para que não me tomem como perscrutador da alma humana – deixo isso para o bruxo do cosme velho e o jogador russo – esclareço logo que falo de mim, não de ti e muitos menos do poupadordeporra, esse já não me suporta mais e, como já disse antes, sou um perdulário. Toda tolice humana encontra em mim residência fixa, faz uma morada onde a beleza é injuriada constantemente. Não há um resquício de sensibilidade sequer. Em seu largo quintal a demência fincou profundas raízes, escavou largos aluviões e me deixou apenas a terra arrasada, o rio seco e, mais uma vez, a beleza injuriada.
Diferentemente do bardo gaulês, minha cervelle étroite não foi herdada de meus antepassados. Creio até que meu avô deva dar pinotes no além ao ver a situação de seu neto. Mas não se fie nas aparências, minha única leitora. A fuga é a mesma. Só não me aventurei rumo continente negro. Preferi ficar próximo de minhas origens, mas com o mesmo sentimento de estar zombando da loucura. Já escancarei em crônica anterior, e eu já nem sei se sei de mim, minha incrível capacidade em destruir a possibilidade de qualquer felicidade ao mesmo tempo em que crio outra, um sopro de vida. Uma mistura louca de Ângela Prallini e o assassino de deus. Não por acaso perambulo nessas esferas: a magia e a ironia.
Deus está morto e esse textículo é um grito de ave de rapina. É a confissão de um ateu consciente de seu destino cada vez mais à margem da vida. A eternidade colada inexoravelmente em um segundo infernal, sem saida, sem esperança. Sentimentos pueris de um solitário rodeado de abismos, cercado de dores e, acima de tudo, pusilânime. Dou-me perfeitamente conta que se trata de uma mentira. Qual a razão de se colocar no plano literário o grito mesmo da vida? Por quê dar aparência de ficção à realidade? Seria conveniente a vida se travestir em literatura? Qual o sentido de vestirmos a realidade de fantasia? Do que estou falando?
Tantas especulações atormentando meus nervos fragéis, minha impotência. Sofro de maneira atroz, padeço em miragens, vago em pensamentos sem refúgio, em vapores de ópio envolvendo minha visão. Sempre injuriando a beleza. Jamais pensei em deitá-la em meu colo. Coisa meio infantilóide, de tio tarado. Mas sinto que respiro um ar com muita pressão, oprimindo minha razão de ser. O fato é que já não sou mais eu mesmo, meu eu autêntico, se é que há, está em coma. Não sou nada, careço de mim mesmo.
Estou cansado, espantosamente cansado. Com certeza minha única leitora também. Deitemos ponto nessa narrativa enfadonha, sem estrutura e enfermiça. Reflexo límpido de minha sensibilidade petrificada.
2 comentários:
Gostei dessa. Reflexo das leituras karamazovianas?
Gracias anônimo, creio estar mais próximo de Rimbaud... será?
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