quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Saída Sul

Era 1979 e o mundo se resumia em uma buceta. Por essa época eu era membro do grupo Carroça. Uma trupe de adolescentes descobrindo o mundo, se enrolando nas sensualidades atomizadas, uma exuberância juvenil e com uma louca curiosidade sobre os mistérios da arte. Nada que se comparasse ao prazer desenfreado de testesteronas indóceis, nervosos em sua ânsia de serem gastos. Tampouco se assemelhando ao narrador. Até creio que o narrador seja personagem inútil na cena, já que o propósito da crônica de hoje é falar sobre a gastança de porra.

Sendo eu apenas a personagem, nada posso asseverar sobre os objetivos do nosso escriba mor. Apenas intuo sua desafortunada benesse, da qual falaremos mais tarde. Ainda guardo a impressão, estampada em meus olhos atônitos, do dia em que resolvemos, eu, o Lago, mais uma vez ele, e o Zé, partimos completamente duros em busca de aventuras. Desejo esse que mostrou toda sua bonomia em duas belas faces infantis. Ao sair do ensaio resolvemos tomar uma cerveja, o que era naturalmente natural. Eu tinha o equivalente a um tanque, o Zé não tinha nada e o Lago tinha algo em volta de meio tanque, que serviu para pagar a conta.

Fomos ao Cafofo, lá na 407 norte, que nessa época já pertencia ao Rênio e sua mulher da qual não lembro o nome. O bar havia sido inaugurado por um outro casal de amigos, o Éder e a Tânia. Conversa vai, conversa vem, cerveja chega, cerveja sai, o Zé nos deu a idéia de irmos visitar um staff inteiro de amigos recém-empossados em uma cidadezinha do Goiás na fronteira com São Paulo.

- Pô, o gás dá certinho prá gente ir, lá a gente azara um gás da Lili – disse o Lago.

- Então está decidido. Depois dessa a gente cai na rodagem – emendou de supetão o Zé.

- Beleza, vamos nessa que é bom à bessa. Só quero passar em casa para pegar mais bagulhinho, esse dá no máximo até Cristalina – disse sem saber muito bem do que se tratava, pois estava de conversinha mole com uma loirinha na mesa ao lado. Embarquei de gaiato no navio, como diz uma canção. Minha atenção estava toda voltada para as mechas de sol e essas tiveram que esperar.

Lá fomos nós. Três alucinados em busca do nada, às duas da manhã, roupa do corpo, contando com a grana da Lili para voltar, fumando unzinho sem parar e com uma grande necessidade de vagar. Ao chegarmos, já anunciando a larica e azarando o café, a moçada nos recebeu maravilhosamente. O Lago e o Zé foram para a casa do Max e eu fui logo me enroscando na Lili. Relembrança de tempos anteriores. Nem bem entramos em casa e ela já foi logo me puxando.

- Seu porra, cê tá cada veiz mais bunito – disse no seu minerês e me tascou um daqueles seus beijos já conhecidos.

Nem sei quanto tempo ficamos transando e isso porque eu estava cansado prá caralho. Dormi não, apaguei e ela foi para a prefeitura. Acordei já quase no meio da tarde com os gritos do Zé.

- Acorda seu merda, lugar de dormir é em casa.

Levantei meio sonolento, zumbi sendo bombardeado por novidades.

- Vamos fazer um show lá nas escadas da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Nosso pagamento vai ser a gasolina – disse o Lago.

- Ah, é? E qual vai ser o repertório? – perguntei com um arzinho arrogante de quem não acreditava ser possível segurar uma hora de música com esses dois.

- Porra, a gente improvisa – falou o Zé em mais um de seus rompantes.

- Espera aí, vamos pensar... A gente pode tocar as músicas da peça, aquelas duas do João do Vale, aquelas três merdas do Caetano, faço duas sozinho e o resto a gente improvisa. – falei com a autoridade do violonista, compositor e cantor.

De noite estávamos lá. Aborrecentes ciosos de seu público. Quase toda cidade presente, o que, convenhamos, não era muita coisa. Ainda bem que eu era filho, neto, bisneto de mineiros e conhecia bem o repertório das modas de viola. Logo que iniciamos, com Pisa na Fulô, percebi que não ia dar certo. Foi quando ataquei uma guarânia antiga que meu avô cantava. Sucesso total. Virei para o dois e disse para irem atrás de mim e seja o que deus quiser. Meu receio maior era o Lago com sua flauta, pois o Zé era um talento imenso naquela parafernália percussiva. Tudo correu maravilhosamente bem, tocamos muito mais que uma hora e fizemos juz ao nosso pagamento.

No dia seguinte banhados, alimentados, abastecidos e já no caminho para a rodovia federal, fomos surpreendidos, eu e o Lago:

- Vamos para Ribeirão Preto? – mais uma vez a pergunta saiu com a resposta pronta.

Um comentário:

Biancabis disse...

que demais! adorei essa estória, com ares de liberdade meio hyppie, meio adolescente: isso é que é vida, né?

Bianca.