quarta-feira, 15 de julho de 2009

Poeira no Planalto.

Quase sempre eu sumia no cerrado, o que deixava minha mãe em polvorosa. Era uma Brasília poeirenta, solitária, carregando em seu dorso as árvores tortas de cascas grossas e folhas duras, desconhecida e que, à luz de sol, se estendia diante de meus olhos atônitos. Morávamos na cento e oito sul, cujos blocos já estavam prontos. Fosse por falta de opção, fosse por causa da inexistência de mercados, aqueles passeios terminavam sendo uma farta feira, melhor que a única mercearia de um japonês em um raio de quilômetros. Pequis, cagaita, gueiroba, ou guariroba, como queiram, araticum, buriti, cajuzinho faziam parte do farnel. Além das retinas repletas de tatus, tamanduás, lobos, maritacas e uma vez, até vi um gato do mato bastante grande, achei que era uma jaguatirica.

Àquela hora o sol estava em todo seu esplendor e eu já não divisava com clareza os blocos se erguendo na quadra vizinha. E é desde essa época meu encanto com a luz dessa cidade. Não tinha, e não tem nada a ver com nada, a não ser comigo mesmo. Atraía-me, doía-me e deixava-me pensativo. Ainda hoje isso me acontece, a despeito de minhas sinusite e fotofobia. Se a Ville Lumiére é a cidade dos livros, a Capital da Esperança é a da arquitetura. Não há nenhum monumento nesta cidade que não seja uma obra de arte. Esta urbe se inscreveu tão indelevelmente na arquitetura porque nela mesma há um espírito de argamassa. Não teria ela, a maneira de deuses benevolentes, forjado os motivos de sua edificação, de longa data, desde o Império, como uma paciente artífice do tempo?

Hoje a jovem senhora, não obstante seu ar gracioso, já não ostenta o garbo de antigamente. Das veredas sobraram a confusão e o desatino. De uma fazenda sem cercas passou a síntese das mazelas. Verdadeiras aves de rapina promovem diuturnamente uma carnificina nas entranhas da cidade e não há nada que sacie sua sede. E, sem querer, levamos uma fama que não nos diz respeito.

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