Conservo, há muito, em minha memória, a dádiva da dúvida. Era ainda menino, quando a recolhi em minhas caraminholas. Mediante um mecanismo simples, costumava dar corda em minha criança curiosa e pouco disposta a qualquer resposta. O sistema era acionado sempre por um olhar indiscreto. Foi pensando nisso, caro amigo, que a confiança nasceu para mais uma travessia, e parti a toda pressa para traçar esse textículo. Longe de mim supor saber fazer o que pretendo. Mas, para sabermos, é necessário agir. Contudo, atuar significa colocar luz nas ações que nos matam de vergonha. E, como é de conhecimento de meu dileto companheiro, Dejanira já havia nos alertado, em famosa narrativa, que as ações vergonhosas devem permanecer na sombra.
Assim sendo, pareceu-me de bom alvitre, não podendo furtar-me à escrita, para que não pense o senhor que se trata de patranhas, ou de meras palavras, e possa, quando for de seu gosto, deitar olhos nessas linhas, ordenar um pouco a bagunça que ora segue. Muito bem. Não acredito que meu camarada pense que vou mudar radicalmente o rumo da mão, tampouco penso em manter sempre o mesmo ritmo. E, a fim de fazer com que meu aliado acredite piamente no que narro, faço do risco o bordado. Faço da troça o troço. Outro dia, por volta da hora do almoço, me peguei urinando em um monte de areia enquanto fazia uns desenhos com o pincel líquido. Coisa natural para uma criança e vergonhosa para um adulto. Para o velhos, assim como os demais assuntos, apenas a indiferença.
Já o vejo dizendo:
meu caro cronista, esse seu texto, que você insiste em chamar de textículo e com as lacunas próprias de um principiante, tem todas qualidades de um amanhecer. Com os anos domina-se a arte, ampliam-se os recursos e a busca da palavra certa no momento exato para os que tentam traduzir idéias – com acento – e sensações, torna-se leve e não um fardo. Como já diria o maior de todos os mestres. Ainda me refererindo ao autor citado, lembro o perigo de se tornar o Vieirinha da literatura, regente de uma orquestra de gemidos. Na prosa, dizem alguns, o perigo é menor. Tolice. Frases amontoadas e incompreensíveis nos dão a exata medida do desalinho. Como você mesmo disse em crônica anterior: a incapacidade da originalidade confere um toque de impostura, ludibrio. Meu amigo, tinha planejado uma apreciação longa e minuciosa de sua escrita, havia até deixado um esboço pronto para nortear minhas reflexões, no entanto, compromissos de outra ordem me tomam a atenção e fico por aqui.
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