sábado, 23 de novembro de 2013

Sísifo Célere

Meu caríssimo e único leitor, seja quem for, permaneça quieto, guarde silêncio e escute. Não tente decifrar-me! Digo mais para o seu bem que para o meu. Não sei quem o senhor é nem o que pensa. O que lhe conto agora será esquecido assim que saíres desse espaço. As miuçalhas aqui ditas não se sustentam e a reflexão a propósito das mesmas não lhe darão alento.

Diz-se a boca miúda que em certo verão, nas profundezas do sertão, um cabra com a boca tatuada cometeu um desatino, fato esse que, segundo os narradores, vem sendo considerado a causa única e última de todo infortúnio que há longas décadas se abate sobre o solar Zambiapongo. Conta-se que antes desse verão fatídico o casarão vivia sob a égide do batuque do jarê, que dali se avistava as torres da Bahia e que tocando a marimba com o afofiê se desvendava todo remelexo do samba junto ao mar. Fala-se também que nosso herói era filho de uma sereia com o Rei Olokun. Com relação ao acontecido propriamente dito, não tenho notícias. Mas não de somenos importância trata-se de que tudo ao redor, inclusive as estações, sucumbiram ao acontecido.

De certo mesmo, ao menos o presenciado por esses olhos atônitos, é a imutabilidade do verão. Enquanto o palácio era corroído em uma velocidade espantosa, o vento, na mesma velocidade, reconstruía tudo e o tempo parecia suspenso. Ao redor o eterno invariável, no centro Sísifo célere. Seja lá o que for isso.

Sempre o sol calcinante castigando lombos ressequidos. Nada de inverno, primavera ou outono. Apenas a luz inclemente tiçando – seria isso um neologismo? – as retinas. Tampouco as rugas entranhadas mostrando o passar do tempo, apenas a imobilidade de uma fronteira tártara guarnecida por Giovanni Drogo. Enquanto a herdade caia vertiginosamente tudo o mais permanecia imóvel e nenhuma expedição ao norte estava nos planos.

Mas o que isso tem a ver com tambores?


 

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