Eu e meu amigo careca resolvemos participar de uma corrida de rua, meio por pilhéria e meio por sarcasmo um com o outro, coisas naturais desde o início de nossa longa amizade. Do alto de nossos bem vividos quarenta e cinco anos, já tomando a curva do Cabo das Tormentas, estabelecemos um rigoroso cronograma de treinamento. Cada vez que eu entrava na academia tinha calafrios. O ambiente parecia com uma daquelas câmaras de tortura da Idade Média. Um por um os aparelhos me fitavam ameaçadores, rosnando sua sede de sangue. Por eternos quatro meses me submeti a sessões diárias de duplo sacrifício. Explico: a música, do tipo bate estaca, ecoando naquele salão reveberador era a cereja no bolo do suplício.
Eis que finalmente chega o grande dia. Um belo e claro dia de seca no cerrado, mas isso fora previsto em nosso planejamento minucioso. O careca está ao meu lado e ao nosso redor um punhado de gente animada. Notei a barriga saliente de meu camarada e pensei: bem, do careca eu ganho... mais mole que mastigar água. No primeiro quilômetro estavámos juntos. Não resisti e soltei uma piadinha, o que me consumiu energias vitais. "Ei Careca, com quantos quilos se afunda uma canoa?" Com isso o danado abriu dois corpos na minha frente. Meus brios se estremeceram e saí em polvorosa atrás daquela barriga insolente. Não poderia perder, seria humilhação demais. Depois de um esforço supreno, consegui chegar junto e não resisti novamente. "Careca, você acha que o desprovimento de pelos capilares melhora seu rendimento?" Mais uma vez ele se distanciou, dessa vez abrindo grande vantagem.
Nisso alguém me jogou um copo com água. Simbologia de minha ruína? Desejei a presença do cara que parou o Vanderlei Cordeiro por perto, assim ele poderia ser minha desculpa perfeita. As vistas escureceram e vi perfeitamente o retrato de minha capitulação. Decidamente nasci para jogar no máximo uma dama, talvez bocha. Não! A bola é muito pesada. Fiquemos com o halterocopismo, nesse sou imbatível. Assim termina minha única e última aventura no reino dos esportes. Hoje, depois de dobrado o cabo das tormentas e já chegando ao porto, no destino final da travessia, apenas contemplo as estripulias dos meninos de minha quadra.
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