sábado, 16 de maio de 2009

Bruxos Sanguinários

Eu estava muito cansado, recostei em uma árvore e não vi mais nada. Como última lembrança apenas as luzes amarelas do sol surgindo por cima dos morros. Sinal de que o dia estava chegando. Depois disso o escuro. Quando abri os olhos estranhei a imensidão do quarto simples em que me encontrava. O teto se colocava diante de meus olhos com todo esplendor de construção antiga. As longas vigas de andiroba, pintadas pela pátina do tempo, sustentavam uma daquelas casas de fazenda, sem forro e com os longos braços da estrutura se estendendo do centro para os lados. Logo senti um cheiro de café como há muito não via. Lembrei de minha mãe. Pela manhã, na fazenda, o cheiro exalava do bule e tomava conta de toda casa. Sem muita demora um alarido de gente começava a fervilhar no espaço. Era como se o aroma negro despertasse toda uma alegria adormecida, funcionando como um despertador pelas narinas. Éramos oito. Uma escadinha uniforme e exata distribuida em quatro meninos e quatro meninas. Como não pode deixar de ser, em uma família mineira como a nossa, havia também os agregados: meu tio paterno Claudionor, meu primo Adamastor, filho de meu tio, minha vó materna Adalgisa, o mala do meu cunhado e finalmente, porém não menos importante e imprescindível, a gostosa de minha prima, fonte de minhas primeiras sedes.

É preciso dizer que ao longo dos anos, como soube depois, a morada estranha foi tomando fermento para acomodar os novos moradores. Era, como já disse lá no início, uma vivenda imensa. Não sei qual foi a razão, mas me senti como se estivesse em minha infância. Tudo ali me lembrava a Cajuzinho Azedo. Desde as primeiras até as últimas, as impressões me levavam em um devaneio pelo tempo, um caminhar sem rumo em direção ao distante passado e cada vez mais longe do horizonte. Acho que já falei aqui nesse espaço sobre a indimensionável lonjura do horizonte. Deixemos de filosofice barata e tratemos de dar a pincelada final em relato tão absurdo. O fato é que o primogênito da simpática família achou-me desfalecido na estrada e trouxe-me para os cuidados de sua mãe. O médico mais próximo estava cerca de quinhentos quilometros e a faz tudo da região era exatamente D. Maria. Com muitas ervas a anciã retirou-me, palavras dela, dos braços do tinhoso. Fui uma luta danada. O sem nome não largava de jeito nenhum. Segundo ela meu olhar era frio que nem brasa adormecida. Sinal de que já houve vida nesse coração.

Devo admitir que a velha me atingiu a alma. Em um segundo toda minha vida se revelou dinte de minhas retinas atônitas. Finalmente me dei conta da mentira que forjei em torno de mim. Caiu a ficha e tomei consciência de minha palidez moral. Ao me enveredar na trama da cidade, soltei a rédea do alazão bravo nas mãos de bruxos sanguinários.

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