Acordei com uma sobra de sonho grudada em meus grandes, duros e cansados olhos. Erguendo seu rosto largo, a ilusão ainda me ofereceu, em um último aceno, um sorriso luminoso, com gestos suaves e lentos. Uma pequena volúpia escondendo o longo declive, acentuando o gosto de catástrofe na boca. No fundo, mesmo que eu não queira, trata-se da visão de uma amizade retesada e agonizante. Da minha afeição pela vida, essa criatura soberba, escapou apenas o coração cheio de cinzas. Estou ficando velho, não acredito em nada e trago apenas palavras vazias e pomposas, como um intelectual de araque vomitando com ênfase filosófica sua estultícia. Há cincoenta e oito anos existo como o poeta francês: bebendo a mim mesmo sem sede. Fugir de mim mesmo se tornou obsessão e farol nessa desenfreada busca do nada.
Quando me levantei hoje, senti que havia perdido o risco do bordado, a trama da maquinaria e nada seria capaz de me devolver a doçura das novidades. Ao me desembaraçar dos lencóis de manhã, revelou-se-me a cruel impossibilidade da singularidade. Idade da razão ou não, o fato é que o tempo passou inexorável e nada foi plantado no jardim do imprevisto. Apenas a rosa da mesmice exalando cheiros insuportáveis, miasmas trazendo a notícia do fim. Ao contrário de Mathieu, nunca desejei Espanhas escondidas em um selo, antes o sétimo selo, o jogo sutil com a dama mórbida.
Quisera eu ter uma vaga lembrança de uma coisa que tenha valido algo, um cuidado peculiar que fosse ao me dirigir ao balconista. Nada! Apenas o deserto. Grandes são os desertos, e tudo é deserto meu caro Pessoa, minha cara pessoa, minha amável leitora. Todo mundo tem uma recordação, ignóbil que seja. Não o destino sinistro, a vida inerte. Essa... desconhece paisagens férteis, delicadezas ternas. A arrogância e a solidão lhe botaram abaixo a alma. E é assim que vou me destruindo, roçando imperceptivelmente uma pobre criatura pedindo perdão. Mas é preciso abrir as janelas para que o dia entre na sala, para que a beleza esquiva não seja só a fuga desesperada de si. A idade da razão veio tarde.
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