terça-feira, 26 de junho de 2012

Que Santo Expedito nos Ajude

A capital começava seu dia – e que dia – em silêncio. Um silêncio que não era aquele de quando os lobos vagavam como senhores dessa terra, mas de outras épocas. Uma mudez de funerária. Silêncio de agora onde os lobos saqueiam muito mais que nossa grana, rapinam muito mais que nossa roça. Roubam-nos a vergonha, nossa própria capacidade de existir. Não os animais, mas a matilha encastelada em modernos santuários louvando, como que ouvindo a Elegia de Massenet, um butim bem repartido, uma partilha que não envergonhe a aristocracia contemporânea, afinal é lídima herdeira de tempos medievais, e até mesmo cantando uma virtuosa Ária ao vacilão. Caninos sedentos rasgando a turba.

São melodias de pausa que quando ecoadas pelas quadras, não atraem um ser, não chamam a atenção de nenhum pássaro e nem ao menos temos um carro passando. Não havia uma janela aberta sequer, e – o que era mais raro ainda – as janelas permaneciam com as cortinas cerradas. Uma total ausência de sons anunciava um acontecimento de extrema gravidade. Talvez a máscara desbotasse, a mordaça cairia e – não sem polêmica – teríamos uma nova ordem. Tais eram as opiniões dos formadores da mesma. Nunca, sem dúvida, a cidade havia amanhecido daquela maneira. Um silêncio ensurdecedor. Mas os esculpidores de presunções se equivocaram redondamente. Nada saia do lugar. Apenas a sensação de uma eterna imobilidade. Esperando o que não virá, vigiando as fronteiras que os tártaros jamais transporão.

Tal era o semblante da urbe moderna: traços vincados por um tempo insistindo em vigorar, não obstante toda possibilidade de passagem. Anjo Exterminador pairando acima de qualquer atitude. A beatitude da inércia permanece tecendo hábitos antigos, velhas idéias – com acento cem por cento – em velhos papéis, imagem de outrora roubando a cena e mofo perfumando platéia – também atéia em relação ao novo acordo ortográfico.

Meu único leitor deve estar pensando que ensandeci. Não está de todo errado. Só que ainda resta uma réstia – mesmo que rala – de vontade. Uma pequena chama flutuando perdida na escuridão. Se a vi? Não faça pergunta difícil! Deixe estar que um dia há de mudar. Será? Que Santo Expedito nos ajude.

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