segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Memórias Rotas

Durante muitos anos ele ficou sem abrir os álbuns de fotografia. Eram velhos papéis de um tempo distante. O instante onipresente em sua memória anciã e que lhe foi roubado em míseras horas. Nunca deixou de lamentar sua precipitação e agora ia folheando devagar inúmeros retratos de uma era que já era. Mesmo hoje, ao rever imagens antigas, percebeu que ainda persistia a sensação de que deixou escapar entre os dedos todas as alegrias de outrora. Por isso relutou tanto em limpar a poeira que cobria a capa dos arquivos, mesmo que inconscientemente. Tantas pessoas, longos sonhos, recordações dolorosas e tudo isso se resumia ao simples ato de dar mais uma volta no parafuso, revelando segredos inconfessáveis.

Quando se viu em uma foto não deixou de notar um sorriso com certo ar de escárnio e triunfo. O interessante é que ele quase nunca aparecia nas fotos, já que invariavelmente era o bardo das retinas fatigadas, como ele costumava dizer, citando alguém. Outra foto o fez navegar largamente naquela região onde tudo se dissolve. Aquele reino cujo tempo fica suspenso em lembranças insondáveis. E desse retrato nada sei. De certo, só a mágoa correndo o olhar e a memória.

Vários já tinham ido para outras plagas, esferas já próximas dele. Não quero parecer que me ocupo de coisas miúdas, rasteiras, mas é preciso deixar claro que seu perambular visual era a fonte de uma água salobra, chafariz de memórias rotas, como o vinco de seu rosto. Ouso até supor que ele se confundiu com uma personagem de sua novela nunca terminada, Iniciada em sua adolescência jamais foi terminada. Sempre o argumento infeliz da incapacidade para tal. Infelizmente para meu único leitor só eu e poucos amigos tivemos acesso aos originais. Era um belo início de novela. E Luiza, sua personagem, constantemente ocupou suas preocupações.

Fiquemos por aqui, já que o espaço vai se acabando e o poupador, esse imenso preguiçoso, assim como de outra feita, alertou-me para não ultrapassar uma página. Até nisso o cara é murrinha. Deixe estar! Eu volto. Fui.

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