quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Estilete

"Se alguém deseja realizar a arte com seriedade/ e aplica sua mente a causas importantes,/ primeiro, com o maior rigor, habitue-se à moderação". Petrônio.

O dia chegou, isto é, a tão esperada data de sua primeira individual. Entretanto, estava angustiada, sentia uma ferida a consumindo e não sabia ao menos o que a afligia. Afinal, não era esse o momento tão sonhado, aguardado como se fosse o instante supremo? Durante algum tempo, ainda se vestindo, ficou olhando o espelho e vendo surgir uma lápide com um mármore de um branco indescritível lembrando um antigo quadro seu. Seria demorado relembrar cada detalhe e agradeço, de antemão, a generosidade e a condescendência de meu caro e único leitor, em relevar esse desvio de percurso da narrativa.

Se a escrita não está agradando, o escriba se vê na obrigação de trocar? Graças aos deuses, eu não sou bardo nenhum ou coisa que o valha. Sem argúcia tramo a representação das máscaras e traço mais um embaraço. Não se aborreça meu distinto leitor se eu lanço mão de dizer essas coisas. É que, riscando o bordado com a sonoridade fácil e frívola me vejo como um saltimbanco de calendas perdidas na história.

Tantas vezes já disse aqui nesse espaço que me ocupo de coisas miúdas, minudências totalmente destituídas de significação. Apenas a banalidade da fantasia. Causas importantes? As deixo para os doutores, pois meu caminho é mínimo. Rigor? Cabe melhor aos poetas e eu não passo de um mero cronista. Moderação? Sou filho de Dioniso e o excesso da desordem é minha cena.

Mas voltemos ao tema, se é que ele existe. Já na galeria, Pauline, sim, esse era seu nome, voltou a sentir o mesmo temor. Durante anos eu me lembrei desse dia, e o repassei, examinei minuciosamente em uma angustiada ruminação e não consegui novas interpretações para o fato. Aterrado, quis examinar novamente essa lembrança. O espelho e a lápide reapareceram. Só que agora em mim. E fico estacado no mesmo lugar. Sempre amei Pauline? O que a incomodava? Perguntas eternamente fadadas ao silêncio da ignorância.

Em um repentino acesso de fúria, coisa que eu já vislumbrara, Pauline saiu rasgando todos os quadros. Não deixou um único intacto e o estilete em sua mão era a prova do crime. Naturalmente a abertura da individual de Pauline K. fechou.

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