quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Os Segredos da Cidade

Ele conhecia todos os esconderijos da cidade e voltava a eles como a um bar no qual se tem a certeza de encontrar os amigos de sempre. Antes de qualquer coisa, não se pense que o cara era um andarilho qualquer. Devido ao seu hábito de atravessar a cidade, todos os lugares secretos, em seus vazios misteriosos, da província lhe eram familiares. Tudo começava com o desfalecimento da tarde. Ao sair para a rua no início da noite, surgiam diante de seus olhos esquinas inexistentes e pontos luminosos pareciam fixar a cidade em uma grande tela.
A cidade parecia sitiada, se entregando docilmente já nos primeiros focos dirigidos à ela. Quiosques, postes, quadras, blocos se cristalizavam tais como as nuvens. Figuras que nunca se repetiam em seus lúgubres passeios noturnos. O interessante, o que me chamava a atenção era justamente sua negação do dia. Como é do conhecimento de meu par de leitores, a luminosidade é uma das grandezas dessa povoação. Todos se admiram da grande angular clara do horizonte azul. É quase unânime a sensação causada pelo horizonte aberto, límpido e imponente do cerrado.
Parafraseando certo pensador alemão da Escola de Frankfurt eu diria que é preciso aprender novamente a andar sobre o espesso vazio dessas quadras. E ele parecia estar tentando com denodo e afinco. No pouco que pude testemunhar, tive a impressão de que sua tarefa única nessa terra era essa: testemunhar o alvorecer de uma cidade. O que me causava certo mal estar.
Contudo, nenhuma cidade pode revelar por completo sua singularidade. O tempo ainda há de deixar sua marca, assim como fez com Nápoles, com Praga, com Ouro Preto e tantas e tantas outras.
Eu, por meu lado, sempre tive a sensação do estranhamento, de ser estrangeiro nessa urbe pouco conhecida.

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